Capítulo XXIII

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*- Aviso -*

Armas, morte animal, menção de suicídio e sangue.

Este capítulo tem descrições gráficas e pode perturbar alguns leitores mais sensíveis. Discrição é aconselhada.



Clara

Mais tarde, naquela mesma noite horrível, o Ryan insistiu em levar-me para o andar de cima, para sair dali. Cada minuto que eu passava perto do alçapão ficava pior e pior, mas eu queria ajudar, então estava constantemente a debater-me quando ele puxou-me pelo braço até ao quarto, não me deixando escolha. Desde que desenhei aquele símbolo de proteção, sinto todas as minhas veias do corpo a contorcerem-se e entrarem em combustão, assim como o símbolo fundiu-se á madeira. Porém, não é uma dor constante. Só consigo descrever a sensação de vai e vem como um pulsar lento, se é que faz sentido. 

No quarto consegui estancar a hemorragia, que antes corria mais rápido do que eu conseguia limpar. Ele passa o lenço no meu queixo uma última vez, analisa-me preocupado e leva-me a mão á testa.

- Estás a ferver. Estás bem? Não te sentes tonta nem mal disposta? - Respondo que não com a cabeça e ele arqueia a sobrancelha, como faz quando não está convencido nem um pouco. Ele é extremamente meticuloso nestas coisas. 

- Eu não solicitei os cuidados do Dr. Cooper, obrigada. - Digo bastante aborrecida, mas ele ignora-me.

Afastar-me dali deixou-me ligeiramente melhor, porém as dores continuam suficientemente dolorosas para fazer-me encolher, mas ao fazê-lo, faço-o disfarçadamente para não o preocupar ainda mais. Ele não entende mesmo quando está a ser um pouco demais. Só preciso de um tempo. Isto de certeza que vai passar. Espero. Um pouco depois, o Ryan sai do quarto. 

Agora sozinha olho para todo o meu corpo. Aquele cheiro horrível continua empregando no tecido da minha roupa e até na minha pele. Sinto-me totalmente suja, mas de um jeito diferente. Do jeito que, mesmo que tomasse banho vinte vezes e, se nessas vezes todas, esfregasse todo o meu corpo com uma esponja rija, não iria conseguir tirar esta sensação desconfortável. Os meus braços, assim como as minhas pernas, estão cobertos de arranhões pequenos e manchas escuras da água. 

Outra pancada de dor atinge-me, mas mais forte no meu ventre. Corro para a casa de banho para vomitar, mas bato de frente com o Ryan, que tinha acabado de me preparar um banho. Antes que ele me perguntasse, passei por ele e apoiei-me no vaso sanitário com ambas as mãos, onde deixei sair tudo. Afasto as mãos que aparecem para me agarrarem o cabelo. 

- Sai daqui, por favor. 

Aqui, no chão da casa de banho e neste estado miserável, sinto um medo tremendo de morrer. Não tenho forças no momento para me levantar, só quero chorar. Por vezes penso se não seria essa a minha escapatória disto tudo, mas depois lembro-me de quem arriscou a própria vida por mim e não me abandonou para se salvar. Por isso não, não tenho coragem. Preciso de continuar, por eles, pelo Ryan. Pela Marie. Ainda por mais, não sou uma pessoa que me contento por mistérios meio-resolvidos. 

Levanto-me enquanto limpo os cantos da boca com a manga da camisola. Os meus olhos encontram os de Ryan, que ainda não tinha ido embora. 

-  Vais ficar aí a ver-me despir? - Pergunto ironicamente, mas ele permanece em silencio por pouco mais que alguns segundos e os seus olhos transmitem firmeza e ao mesmo tempo preocupação. 

- O que se está a passar contigo, Clara? - A sua voz sai rouca de cansaço e sinto que está magoado comigo. Não respondo. Preciso de um tempo para pensar e descansar, sem ter alguém sempre a cuidar de mim e salvar-me de tudo. Insatisfeito com o meu silêncio, acena a cabeça e pressiona os lábios. - Tudo bem. - Sai da divisão e fecha a porte atrás de si. 

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