Nove de Espadas
Um enorme armário cor de aroeira, desgastado e antiquado que se estendia do chão até o teto da cozinha com sinuosos quatro metros de pé direito, era abrigo de infinitos potes, cântaros e ampolas. Pareciam dispostos sem qualquer tipo de lógica, mas estavam meticulosamente organizados por famílias herbáceas, havia também uma prateleira inteira só com o que pareciam ser conservas, corações, olhos e até mesmo animais inteiros. Não haviam rótulos nem qualquer tipo de informações neles, Pandora sabia identificá-los apenas batendo os olhos. A cozinha era vasta, armários cobriam quase todas as paredes, e onde não havia armários, a parede era revestida por azulejo branco, musgo e lodo verde.
Separou dois vidros e colocou uma chaleira no desproporcional fogão a lenha, que se acendeu com um riscar de fósforo, fez uma enorme quantidade do primeiro chá e forçou Aurora a tomá-lo, tinha uma cor rosa, cheiro agradável e um aspecto inofensivo, mas era feito de uma agressiva erva catártica. Fez então a segunda infusão, e serviu três xícaras.
– Benjamin. – Lhe entrega a xícara, vira todo o conteúdo da sua, se aproximando de Aurora com a terceira.
– Você vai dar brugmansia suaveolens de novo para ela Pandora? – Cheira novamente a xícara. – Ela vai ter uma overdose.
– E você tem alguma ideia melhor para tratar corte de vidro? – Segura a nuca de Aurora a fazendo tomar o chá de uma única vez. – Eu preciso purificar o corpo dela.
– Com veneno? – Ele ri.
– A maior purificação que existe é a morte, quando mais próximo da morte mais pura ela estará. – Sorri ironicamente o encarando.
Ela e Benjamin também tinham que estar puros para o ritual que faria em breve para fechar os enormes cortes de Aurora, que não cicatrizariam só por estarem costurados. Aurora já não era capaz de responder por si mesma após o pó de hálito do diabo, com o chá, sua cabeça rodava e não era capaz nem de se mexer, sentia apenas estímulos sensoriais e ouvia apenas seu próprio corpo, era como se suas entranhas gritassem.
Pandora a observava atentamente, com a cabeça rodando tendo um início de alucinação, a garota sobre a mesa virava a cabeça de um lado ao outro enjoada, abaixou para acessar o armário abaixo da pia e de lá tirou uma comadre, virou Aurora de lado e encaixou o objeto de alumínio ao lado do seu rosto. Benjamin que era de longe o que estava em melhor estado após o chá, se aproximou e segurou Aurora. Com uma sincronia perfeita, Pandora se virou para a pia, e ela e Aurora vomitaram ao mesmo tempo. Aura vomitava resquícios do enxofre em seu estômago, que lavagem alguma poderia tirar e Pandora vomitava água e vodka, que eram basicamente as únicas coisas que ela consumia, seus rins a muito tempo já tinham perdido a habilidade de filtrar o álcool que ela consumia em excesso.
Ambas ficaram vomitando por algum tempo, Benjamin não sentiu nada além de tontura, como se estivesse bêbado, afinal, já estava morto. Quando Pan melhorou consideravelmente, fez um gargarejo com água e abandonou a pia, via ao redor de Aura vultos escuros sem face, homens e mulheres, vislumbrava o ocorrido, todos enfiam facas na garota loira que flutuava logo acima de Aurora, ela que mal podia se defender, Aura também podia vê-la e sentia tudo novamente, como se estivesse sendo atacada, mas não tinha forças para se manifestar, em determinado momento o vulto branco e loiro tirou forças do fundo do seu ser e ao ficar em pé liberou de si um espectro que fez todos a sua volta caírem. A cena se repetia sem parar, os vultos desfigurados como fantasmas esfaqueando a garota e caindo mortos.
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Coração Lascivo
FantasiE eu achei uma coisa mais amarga do que a morte, a mulher cujo coração são laços e redes, e cujas mãos são grilhões; quem agradar a Deus escapará dela; mas o pecador virá a ser preso por ela. -Eclesiastes 7:26 Diferente do que a modernidade, imund...