Outono '96

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I


Durante o rigoroso inverno de 1995, Caveira, Cabelo, Jair e eu, Rafa, havíamos voltado de uma festa no centro da cidade. Uma porcaria de festa, aliás. Cerveja quente, maconha ruim e umas minas mais escrotas que um escroto suado peludo e fétido. Prefiro garotas de classe, inteligentes, que tenham opinião além do horizonte. Gosto de trocar ideias depois do sexo. O tipo goza e dorme, não rola comigo.

Paramos em uma esquina para papear as últimas tolices e besteiras rotineiras adolescentes enquanto um baseado corria de mão em mão. Era por volta das duas da manhã.

Eu me sentei no chão com as costas retesadas num muro com um rolo de arame retorcido cobrindo toda a parte superior. Cerca eletrificada. Pensei num instante que poderia levar um choque, mas após analisar friamente, fiquei relax total e me acomodei na viagem da ganja. Caveira se sentou ao meu lado, e sequencialmente sentou-se Cabelo. Jair ficou em pé junto a sarjeta, vigiando caso a polícia aparecesse. Era só dar o sinal e daria tempo de esconder o base.

Prosas sobre futebol, rap e meninas minavam de nossas mentes, porém nada aproveitável.

Eu lhes contava uma história sobre uma garota que eu havia ficado uma vez dentro da sala de aula. Negra de cabelos cacheados que corriam sobre seus ombros. Linda. Um dia, durante um intervalo diário para o lanche, eu estava terminando de copiar a matéria da lousa quando na classe não havia mais ninguém, além da Lúcia, a linda. Ela trancou a porta por dentro, se aproximou de mim, arrancou a minha calça num só puxão, juntou as minhas pernas e sentou no meu colo de costas para mim se esfregando e rosnando barulhos pervertidos no meu ouvido. Não vou entrar em mais detalhes, mas rolou tudo ali mesmo. Os caras acreditaram na história. Diziam que eu era foda. Se soubessem que eu havia inventado a maior parte da história, principalmente sobre a existência da tal garota, me zoariam até a morte. Eu era bom em inventar fábulas mirabolantes.

Aí então...

Eu já estava pronto para lhes contar mais um monte de lorotas, quando Jair se afastou um pouco da sarjeta e olhou para cima com os olhos arregalados numa feição de curiosidade.

— Olhem! Um disco voador — exclamou em tom fantástico.

Meio que surpresos rimos todos imediatamente, um mais alto que o outro. Tira o beque desse cara, disse Caveira. Chapou o globo, completou Cabelo. Jair permaneceu em pé, estático, olhando para cima, emudecido.

— O que você está vendo? — perguntei intrigado. Sempre tive fascinação por mistério, uma queda especial por assuntos alienígenas. Filmes, séries, revistas, jornais, documentários, hq's. Chupava tudo.

— Venham ver, caralho! É um disco voador! É sério!

— Ah tá! Está dizendo isso só pra gente se levantar daqui, e quando chegarmos aí, não vai ter nada no céu — concluiu Cabelo sem muita convicção.

Bem pensado, pensei. Jair queria fazer a gente de palhaço. Nós estávamos de boa, sentados, e ele em pé. Queria então nos pregar uma peça.

— Não, caralho! É sério, porra! Um disco voador! Vem ver, vem ver! — continuava a bradar.

— Ah, não acredito mano, se for zoeira, você vai ver só! — disse Caveira já se levantando e dirigindo-se até a beira da calçada.

De onde a gente estava, encostados no muro, não tínhamos a visão de onde Jair apontava. Portanto, quem quisesse ver o tal prato flutuador, teria que tirar a bunda gostosamente acomodada no chão, e galgar a longínqua viagem de 3 metros à frente.

Outono '96Onde histórias criam vida. Descubra agora