Onze

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Entrei em casa. Dessa vez, não fiquei até mais tarde na escola, nem fui com Helena ao Cafélix. Ela me acompanhou até em casa de bicicleta, e em seguida foi embora.

- Você consegue - foi o que ela disse antes de ir.

Eu consigo.

- Pai? - Chamei, mas não tive resposta. Franzi o cenho, procurando-o. Não estava na sala ou na cozinha. Pensei em subir as escadas até o quarto, mas logo notei a luz do escritório acesa.

Bati na porta e pus a cabeça dentro. Ele estava sentado à escrivaninha, a cabeça apoiada nos braços, como se estivesse dormindo. Engoli em seco.

- Pai? - Arrisquei. Ele não respondeu. Entrei e toquei seu ombro, para só então notar que ele tremia. - Pai?

Então seu choro cortou o silêncio. Nunca o havia escutado antes. Era como se todo o sofrimento do mundo estivesse ali, estampado. Como um animal agonizando. Ele soluçava e tudo que eu conseguia fazer era tocar seu ombro, numa tentativa medíocre de consolá-lo.

- Me desculpe - gaguejou, a voz abafada. - Me desculpe, filha, me desculpe, desculpe, desculpe...

- Pai? Pai, me escute. Me escute. Por que está pedindo desculpas? - O forcei a levantar a cabeça. Sua expressão me quebrou por dentro. Nunca o vi tão desolado.

- Falhei com você. Falhei tanto com você, estava tão cego por perder sua mãe, e agora, agora você mal consegue me olhar nos olhos, você mal fica em casa, é tudo culpa minha...

Engoli em seco, minhas próprias lágrimas insistindo em cair. Me agachei ao seu lado.

- Pai, eu entendo você. Também fiquei destruída quando a perdi, mas nunca me senti digna do luto como você, sempre achei que, sei lá, eu não tinha o direito de sofrer, e você agiu, agiu como se...

- Como se estivesse tudo bem - ele completou, e eu concordei. - Me desculpe, querida. Achei que estava preservando você, sua imagem de mim. Não queria que você soubesse o quanto estava machucado. A verdade é que fui um covarde todo esse tempo. E sinto muito. Peço perdão.

Solucei. Meu Deus, como era bom ouvi-lo dizer isso.

- Pai, odiava que você tentasse esconder essa dor, então escondi a minha e a substituí pela raiva. Me desculpe também.

- Tudo bem, meu amor, tudo bem. Venha cá - abriu os braços, e eu meio ri, meio chorei, me aninhando no seus braços da mesma forma que fazia quando era criança. Ele se inclinou e ligou o rádio. Então começou a acariciar meu cabelo.

- Sinto falta dela - funguei.

- Eu também, querida.

- Podemos... Podemos visitá-la? Em seu aniversário? - Perguntei.

- Sim. Sim, nós podemos.

- Vou levar flores.

Ele sorriu.

- Ela vai amar.

Depois Que Eu Te ConheciOnde histórias criam vida. Descubra agora