Fiquei em silêncio depois daquilo, tentando comer tudo que havia no meu prato, apesar do nó que estava na minha garganta. Não havia tempo pra luto ali. Não havia tempo pra pensar. Tínhamos que sempre estar prontos pra qualquer coisa. Aquilo me incomodava, porque tudo que eu queria era um tempo pra respirar depois de tudo que havia acontecido.
—Summers, você está com uma cara péssima. Foi por que a colocaram de baba? —Uma mulher se sentou ao lado de Laís, enquanto outra se sentava ao meu lado. Laís revirou os olhos na mesma hora, fazendo o nervosismo me deixar dura na cadeira, quando imaginei quem eram aquelas duas. —Essa é nossa nova companheira de dormitório?
Olhei para a mulher que estava sorrindo pra mim, tentando não demonstrar absolutamente nenhuma reação. Os cabelos escuros eram muito curtos, dando a ela a aparência de alguém com 25 anos, além dos olhos âmbar soarem tão maliciosos no rosto redondo, que eu sabia que não gostava dela, sem nem mesmo a conhecer. Podia ver o bordado vermelho no moletom preto que ela usava, com o sobrenome Diaz.
—Ela não é meio pequena pra ser uma de nós? —A mulher do meu lago indagou, soltando uma risadinha. Davenport, eu imaginava, que parecia ter quase 30 anos, para estar se incomodando com alguém como eu. Seus cabelos negros eram da mesma cor que a sua pele, enquanto os olhos azuis faiscavam maldade à medida que ela me analisava descaradamente.
—Vocês duas não tem mais o que fazer? —Laís indagou, empurrando sua bandeja vazia sobre a mesa, causando um som que estremeceu até os meus ossos. —Que eu saiba, o horário de treinamento de vocês duas é até as 23:00 horas e agora são 21:45.
—E? —Diaz erguer as sobrancelhas, cruzando os braços na frente do corpo, enquanto lançava um olhar afiado na direção de Laís. —Você vai sair correndo pra contar pro Cold? Ele deixa você se esfregar nele por algumas informações? Ou ser uma cadela obediente está no seu sangue?
Encarei a bandeja na minha frente, tentando não pensar no que havia acabado de ouvir, mesmo que fosse praticamente impossível. Vi quando Laís girou a cabeça e a olhou de cima a baixo, enrugando o nariz como se ficar no mesmo ambiente que ela a deixasse com nojo. Meu cérebro ainda tentava processar o que eu havia escutado quando Laís se inclinou para perto dela, abrindo um sorriso.
—Me esfregar nele me garante muitas coisas. Inclusive que sua língua seja arrancada, se eu desejar muito que isso aconteça. —Diaz afastou o rosto, os lábios comprimidos como se ela quisesse latir várias coisas de volta. —Então mantenha essa língua dentro da boca, se não quiser perdê-la.
Laís se levantou, puxando a bandeja dela e a minha. Vi aquilo como um sinal para que eu fosse com ela, então fiquei de pé e a segui, vendo ela devolver as duas, antes de nós duas sairmos do refeitório. Minha cabeça ficou dividida entre pensar em como seria dividir o quarto com aquelas duas e no que elas haviam falado sobre Laís e Cold. O desconforto no meu estômago deixava um gosto amargo na minha boca, porque não queria pensar em nenhuma daquelas coisas.
—Três coisas que você precisa saber, Hannah. —Laís se virou, parando na minha frente com o rosto calmo, bem diferente de como estava lá dentro, quando ouviu Diaz falar aquelas coisas. —Aquelas duas vão fazer absolutamente de tudo para provocá-la. Para incitá-la a atacá-las primeiro. Não dê esse gostinho a elas. A segunda é que você não pode abaixar a cabeça aqui. Você é menor, mais magra e mais fraca? Sim, você é. Mas quando elas tentarem insultá-la, devolva. Não seja medrosa e mentalmente fraca, porque isso vai fazê-las pegarem ainda mais pesado com você.
Ela respirou fundo, balançando a cabeça negativamente, provavelmente notando minha surpresa por ouvi-la me dizer tudo aquilo, como se fossemos amigas. Quando Eliot me falou sobre ela, imaginei alguém tão sério e sem emoções como Cold. Mas Laís não era nada disso. Ela também não estava agindo como alguém que deveria apenas me vigiar;
—E a última é que a maioria das coisas que saem da boca delas é mentira. —Prosseguiu, soltando as mãos ao lado do corpo. —Isso é principalmente por conta de Cold. Não durmo com ele, nunca dormi e não tenho o menor interesse de fazer isso. Sou só uma soldada cumprindo ordens, como todo mundo aqui. Só sou próxima de Cold porque nós dois crescemos juntos. Então não acredite em tudo que elas falam, porque elas mentem com tanta facilidade como respiram.
Engoli com muita dificuldade, sentindo um pouco daquele desconforto no meu estômago sumir. Laís parecia esperar uma resposta minha, mesmo que eu não fizesse ideia do que dizer a ela depois de ouvir tudo aquilo. Mas balancei a cabeça em concordância, deixando claro que havia entendido tudo. Aquilo foi o suficiente para fazê-la virar as costas e ir embora, me deixando perdida nos meus próprios pensamentos.
[...]
Não voltei pro dormitório depois daquilo. Fiquei vagando pelos corredores sem um lugar certo pra ir. Não queria encontrar aquelas duas lá, ainda mais sozinha, porque tinha certeza de que Laís não tinha ido pra lá depois dos avisos que me deu no corredor. Não sabia se era corajosa o suficiente para rebater qualquer coisa que aquelas duas me dissessem, assim como Laís era. Eu havia acabado de chegar ali e não via a hora de voltar para a Zona Hospitalar para ver Ethan.
Diminui o passo quando cheguei em um corredor que não havia passado com Laís. As paredes estavam cobertas de quadros, com fotos enormes de várias pessoas diferentes. Cada uma delas parecia de alguém mais importante que o outro. Pessoas da Zona Presidencial. Isso me fez tropeçar nos meus próprios pés quando cheguei ao quadro com a foto do atual presidente, ao lado de ninguém menos que Cold.
Era uma foto antiga, porque Cold não parecia ter mais de 15 anos. Mas os cabelos escuros e os olhos verdes, que pareciam duas pedras preciosas, estavam ali. O mesmo rosto, com o ar mais inocente do que exibia agora. O homem ao seu lado tinha cabelos loiros, com uma barba curta cobrindo as bochechas e o queixo. Não eram nem um pouco parecidos, mas os olhos denunciavam. Os mesmos olhos verdes de Cold.
Presidente Michael Andrews e seu filho, Cold Andrews.
Balancei a cabeça negativamente, ainda sem acreditar que havia conversado com ele naquela noite, passado um tempo com ele, sem fazer ideia de quem ele era de verdade. Não consegui mais olhar para o quadro, seguindo em frente até o próximo que havia ali. Parei na frente dele também, querendo afastar os pensamentos do filho do presidente.
Thomas e Katherine Parker.
Li os nomes, antes de erguer a cabeça para encarar a foto dos dois na parede. Era um casal relativamente jovem. Ambos com cabelos escuros, assim como os do garoto no colo do homem e da bebê aninhada nos braços da mulher. Os dois estavam sorrindo para a foto, enquanto o garoto estava mais ocupado brincando com algo na camisa do pai. Era uma foto natural demais para um lugar como aquele.
Thomas Parker foi o último presidente do complexo, antes de Michael. Ele governou por um bom tempo, sendo conhecido como justo e bondoso. Mas para os rebeldes, ele não era o melhor presidente, porque ele e toda sua família foram mortos em um dos ataques ao complexo, anos atrás. Depois disso, Michael subiu a presidência, prometendo acabar com os rebeldes e proteger todos os cidadãos. No final das contas, ele não fez nenhum dos dois. Seu governo nunca foi elogiado ou amado, como o de Thomas era.
Encarei o retrato por uns segundos, antes da minha atenção ir para outra coisa na parede, mais a frente. Meus pés se moveram até outros dois quadros, onde havia uma pichação do que parecia ser o rei, das peças de um jogo de xadrez. Mas a peça estava quebrada, como se quisesse simular o rei perdendo a cabeça. Logo embaixo dela, "O Traidor" estava assinado.
Continua...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Em Destruição
General FictionO mundo sucumbiu as guerras e os países se tornaram ruínas. Agora, décadas depois, as pessoas precisam viver em zonas de contenção no subsolo, impedidas de ir além dos muros que cercam o complexo em que vivem. Cada um tem um papel crucial nessa nova...