Encarei a pichação por um tempo, imaginado quem teria coragem de fazer aquilo, estando tão perto assim do presidente. Foi inevitável não me lembrar de Eliot e do que ele havia dito, sobre alguém aqui de dentro ajudar os rebeldes lá fora. Parecia algo arriscado e também um pouco corajoso da parte de quem quer que fosse.
—O que faz aqui? —Olhei pra trás, me surpreendendo ao ver Cold caminhando pelo corredor na minha direção. Olhei para os lados, abrindo a boca para tentar me explicar, mas no final nem sabia o que dizer a ele. —Onde está a Srta. Summers?
—Ela voltou pro dormitório, eu acho. —Falei, umedecendo os lábios com a língua quando ele parou na minha frente, me encarando com a testa franzida. —Eu só estava dando uma volta. Laís me apresentou tudo, mas esse lugar é enorme. Não quero correr o risco de me perder qualquer dia desses.
—Você deveria ir pro dormitório descansar. Vamos começar cedo amanhã. —Cold afirmou, e eu comprimi meus lábios, me lembrando do fato de que iria ser treinada por ele por alguns dias. —Precisa estar pronta pra iniciar o treinamento.
—Eu sei, eu só... —Parei de falar, dando alguns passos para trás enquanto erguia as mãos e passava pelos meus cabelos, sem saber ao certo o que pensar. —Isso tudo é muito estranho, está bem? Tentamos fugir, minha mãe morreu, meu irmão não acorda e vocês me trouxeram pra cá para ser uma soldada. Por quê? Por que não me matar? Por que nos dar outra chance? Eu realmente não entendo.
—Deveria estar agradecida por isso e não questionando porque as coisas são assim. —Cold retrucou, fazendo meu rosto esquentar com o toque de reprovação na voz dele. Virei as costas pra ele, escondendo o rosto entre as mãos, enquanto respirava fundo. —Lamento pela sua mãe. Uma semana pode não ser o suficiente para ficar de luto por ela, mas você vai perceber que aqui, na Zona Militar, a morte anda praticamente do nosso lado toda vez que colocamos a mão em uma arma. Não temos muito tempo pra pensar nela, além de tentar sobreviver todos os dias.
Me encolhi ao ouvir aquelas palavras, cruzando os braços na frente do corpo enquanto olhava pra qualquer lugar, menos pra ele. Cold ficou um tempo em silêncio, como se não soubesse como lidar comigo. A capacidade dele de fingir que não havia me conhecido antes de tudo isso me surpreendia, porque eu queria conseguir esconder minhas emoções desse jeito.
—Quem é O Traidor? —Indaguei, querendo mudar de assunto, vendo os olhos dele correrem até a pichação na parede, enquanto seu rosto inexpressivo avaliava aquilo como se não fosse absolutamente nada.
—Alguém que ajuda os rebeldes aqui de dentro. Um de nós. Ele ou ela deixa essas marcas pela parede sempre que um ataque acontece. —Cold indicou com a cabeça que eu o seguisse. —Uma hora ou outra ele será pego e isso acabará, assim como iremos encontrar os rebeldes e acabar com qualquer ideia que eles tenham.
—E vocês precisam dos melhores soldados pra isso. —Falei, percebendo que estávamos pegando o caminho dos dormitórios. Aquilo me fez bufar baixinho, como se ele estivesse me tratando como uma criança que não sabe seguir ordens. Ainda não era tarde o suficiente para eu ser obrigada a ir dormir.
—Sim, precisamos dos melhores soldados pra isso. —Cold parou na entrada do corredor que dava para os dormitórios, se virando para olhar pra mim. Tudo nele demonstrava confiança e ordem. —E eu preciso que se recolha, para estar bem o suficiente para começar o treinamento amanhã. Pode fazer isso, Srta. Hawking?
Apertei os dentes, querendo falar tantas coisas pra ele, mas sem coragem o suficiente para fazer. Então balancei a cabeça que sim, vendo ele soltar um suspiro e indicar o corredor. Passei por ele sem dizer uma única palavra, pensando que talvez as coisas melhorassem quando Ethan acordasse. Senti os olhos de Cold em mim o tempo todo, até eu finalmente virar em um corredor e ele desaparecer.
Quando abri a porta do dormitório depois de alguns minutos o procurando, as duas colegas de quarto estava ajeitando suas camas pra dormir. Podia ouvir o som do chuveiro ligado, o que significava que Laís estava no banho. Tentei agir normalmente, ignorando a presença das duas enquanto ia até meu armário e pegava minhas roupas de dormir. Havia algo naquele lugar e naquelas pessoas que me deixa inquieta.
—Então, de onde você é? —Ouvi a voz de uma delas e travei, sentindo um nó se formar na minha garganta quando caminhei até o beliche que iria dividir com Laís. —Todos ouvimos falar sobre a tentativa de fuga de vocês.
—Setor 2. —Respondi, com um tom de voz que eu esperava deixar claro que eu não estava interessada em conversar, enquanto sentia os olhos de Davenport em mim. Mas ouvi a risada das duas, assim como a troca de olhares dela quando subi as escadas para a cama de cima.
—Eu também fugiria se tivesse que viver no meio da merda. —Diaz exclamou, arrancando uma gargalhada da outra, enquanto eu me sentava na cama, balançando a cabeça minimamente em negação. —Seu nome é Hannah, não é? —Ela se aproximou da minha cama, me olhando como se eu fosse um bicho de estimação precisando ser educado. —Meu nome é Thalia e ela é a Gia.
—Se precisar de qualquer coisa, pode pedir pra gente. —Gia murmurou, enquanto Thalia balançava a cabeça positivamente. —Não vai querer ser amiga da Laís, quando tudo que ela faz é pra agradar o filho do presidente. —Tentei não demonstrar nenhuma reação com aquilo, porque Laís tinha sido muito clara sobre os avisos que deu sobre elas. —Uma hora ou outra ela vai tentar passar por cima de você pra conseguir subir de posição aqui. Ainda mais com toda essa questão da sua fuga. Os mais fortes sempre procuram os mais fracos para atacar.
—Obrigada pelo aviso. —Falei, sentindo um gosto amargo na boca quando olhei para Gia e depois para Thalia, observando a falsa sensação de acolhimento que elas estavam passando pra mim. —Mas acho que posso me virar sozinha.
As duas trocaram um olhar demorado antes de se afastarem para suas camas quando Laís saiu do banheiro, com uma toalha enrolada no cabelo, lançando um olhar atravessado as duas enquanto ia até o próprio armário. A tensão no quarto era praticamente gritante, me fazendo fechar os olhos e me perguntar como eu iria conseguir dormir com aquelas duas ali.
[...]
Eu acordei com Laís berrando nos meus ouvidos sobre eu estar atrasada. Meus lábios se comprimiram em frustração, enquanto eu me arrastava até o chão e me vestia, vendo que as outras duas já não estavam mais ali. Laís não esperou por mim, falando que já estava atrasada antes de sumir do dormitório. Eu havia demorado muito pra dormir, observando o beliche da frente, imaginado o tipo de coisa que as duas poderiam tentar fazer. Pela conversa de ontem a noite, talvez me manipular fosse a primeira delas.
Abri a porta do dormitório, amarrando a ponta da minha trança com o amarrador, antes de dar um passo para trás e erguer a cabeça quando bati em uma parede de músculos. Cold estava parado bem na frente da porta, com os braços cruzados e uma expressão séria, olhando para a trança que eu havia gastado parte do meu tempo essa manhã fazendo.
—Você está 15 minutos atrasada. —Afirmou, erguendo os olhos pra encarar os meus, com os lábios parando em uma linha fina, como se ele quisesse dizer muito mais coisas pra mim, mas se segurasse. —Imagino que não tenha nem mesmo tomado seu café da manhã.
—Não, eu... Eu demorei pra dormir ontem e acabei perdendo a hora hoje. —Me encolhi, balançando a cabeça negativamente. —Mas isso não é um problema. Estou acostumada a perder algumas refeições.
—Isso era quando você morava na Zona Agronômica, mas você não está mais lá. —Cold erguer a mão, esfregando a testa como se estivesse frustrado. —Siga os horários e faça as refeições, ou daqui uma semana você não vai conseguir nem ficar de pé. Hoje eu vou deixar passar, mas amanhã cedo quero que você acorde cedo e vá para o refeitório se alimentar, assim como todos os outros. —Afirmou, me lançando um olhar duro que estremeceu até meus ossos. —Ou eu vou ser obrigado a levá-la lá toda manhã e, acredite, você não vai gostar se eu fizer isso.
—Tudo bem. —Apertei meus lábios, segurando um suspiro de frustração. —Isso não vai acontecer de novo, prometo.
—Muito bem. —Os ombros dele caíram um pouco, como se ele estivesse aliviado. —Vamos começar então.
Continua...
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Em Destruição
General FictionO mundo sucumbiu as guerras e os países se tornaram ruínas. Agora, décadas depois, as pessoas precisam viver em zonas de contenção no subsolo, impedidas de ir além dos muros que cercam o complexo em que vivem. Cada um tem um papel crucial nessa nova...