23|O quarto de Cora

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Alice

Ninguém  nunca falava como era difícil  lidar com  problemas entre família.  Todas pareciam estar felizes omitindo  seus problemas. Omitindo as confusões, traições, desavenças...

Talvez, se não normalizassem isso, mais pessoas saberiam o que fazer quando se deparassem com essa situação.

E é com esses pensamentos que desço  do ônibus  após um longo dia na escola. Minha cabeça  não  havia parado um minuto... não  quando eu pressentia a mentira descarada de Cora.

No entanto, não  era a primeira vez que eu notava isso. O problema era que eu odiava ter que falar tudo para Marie, já que ela andava tão  perturbada em sua própria  mente. Odiava ter que acrescentar  mais algum problema.

O tempo também  havia nos afastado, isso era um fato que Marie parecia não  estar disposta a engolir. A situação  após  a morte de Jacob nunca mais havia melhorado... mesmo que as duas fingissem  estar tranquilas.

Já bastava o que eu havia lhe dito há uns dias atrás. Só aquilo havia sido o suficiente para fazê-la se fechar por completo, mesmo que tentasse não  demonstrar, eu sentia isso. Mas ao invés  de resolver, apenas dei de ombros e escolhi ficar na minha.
Se ela não  queria dividir o que sentia comigo, por que eu deveria fazer?
Mesmo que isso me tornasse uma pessoa egoísta.

Então, após alguns dias pensando no ocorrido, decidi fazer as coisas do meu jeito, sem querer que a meter nisso tudo.

Mal noto quando já estou diante da porta da casa de Cora. Com um suspiro pesado, na tentativa de afastar a tensão  em meus ombros, entro em casa.
Apenas Sam brincando com sua pena e Toddy roncando no sofá quebravam o silêncio. 

Ao me ver, o gatinho apenas ergue as orelhas e logo volta a brincar, como se eu não  fosse ninguém muito interessante. Bufo, já sabendo quem era a sua humana favorita.

Ignoro isso e me viro para fechar a porta, engolindo em seco ao repassar mais um vez o que eu queria fazer em minha mente.  Com cuidado, deixo a bolsa sobre o sofá, despertando Toddy do sono profundo com o movimento, mas o mesmo nem mesmo me encara, apenas se mexe e volta ao sono.

  Ando até a cozinha à procura de Cora, e só quando me certifico de que não  há ninguém na casa, é que subo as escadas e  entro em seu quarto.

O quarto  de Cora nunca mudava. Flores adornavam a janela, assim como  plantas para chá e insumos cresciam radiantes com a luz do sol que entrava pelo vidro; também  haviam alguns livros espalhados sobre as prateleiras, assim como velas e alguns incensos. E como se notar eles ali, o cheiro repugnante de um dos seus incensos atinge meu nariz, me fazendo levar a mão  para o coçar.

Não era à toa que as crianças do bairro nunca haviam brincado com a gente. Algumas até diziam que tinham medo da nossa "avó bruxa".
Não  sabia se Marie se lembrava, mas eu sim. Ainda lembrava de quando as crianças quebraram ovo em nós duas enquanto voltávamos  da escola. Cora apenas disse para esquecermos aquilo, e evitar passar pela rua.

Faço  uma careta e procuro ignorar o odor enquanto vasculho  o local com uma olhada rápida.  Sinto minhas axilas úmidas, talvez pelo nervosismo de estar fazendo isso ou pela raiva acumulada por se quer pensar em Cora afastando Daniel da gente. Talvez ele tivesse  uma boa explicação por ter sumido.

Me And The Devil ( Em Andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora