Bloco de Notas, Livro Um : Anny

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Fala sério, ainda se usa crachá? Meu crachá é branco com letras azul escuro e amarelo. Está escrito bem grande...
- Anny Luz de Souza? – Uma voz firme grita – Anny Luz?
Hoje é o primeiro dia de aula e eu estou tão animada fazendo anotações sobre o que estou sentindo que me distraí e quase levo falta.
- PRESENTE! – Respondo.
Também estou feliz que a primeira aula já é a de artes. Mas minha maior ansiedade é para reencontrar os meus amigos. A última vez que nos vimos foi na primeira semana das férias de fim de ano e nosso encontro foi bem rápido.  Precisamos atualizar as fofocas, ou melhor, as informações de utilidade pública, como a Íris sempre corrige.

- Silêncio! Eu sei que estão todos agitados. O primeiro dia de aula também me causa muitas sensações! Mas precisamos seguir a programação de hoje! -  Diz a professora Simone enquanto gesticula mais do que eu posso acompanhar. Acho que ela percebeu que estou analisando seus movimentos, pois me encara e continua:
- Como estou vendo alguns rostinhos novos... Vou sugerir uma apresentação! Pode começar pela mocinha de cabelos vermelhos! – Finaliza e aponta para mim.
Sinto meu rosto queimar. Olho em volta na esperança de encontrar uma outra pessoa com o cabelo minimamente vermelho. E para o meu azar não encontro. É sou eu!
Respiro fundo. Finjo costume e começo uma apresentação padrão:
- Tenho quase 15 anos e estou no primeiro ano do Ensino Médio, assim como vocês – Sorrio sem graça e para minha surpresa a turma sorri de volta – Moro aqui mesmo no centro de Niterói. E tenho a mania de conhecer pessoas das formas e nos lugares mais aleatórios possíveis. Minha terapeuta, por exemplo, conheci no estacionamento do shopping enquanto recolhia do chão as miçangas da pulseira dela que tinha arrebentado.
Foi algo assim, eu me aproximei e disse:
– Deixa eu te ajudar com essas miçangas. São tão pequenas!
– Obrigada, você é tão gentil!
– Não sei se é gentileza ou necessidade de ser útil!
– Sou terapeuta. Pega meu cartão!
Conclui. Percebi que aquilo não era algo a ser dito numa apresentação de primeiro dia. Mas por alguma razão a atenção da turma, as risadas e expressões de aprovação me faziam falar mais e mais.

***

O fim de dois tempos de aula chegou e só agora eu percebi que não vi o André. Nem meus outros amigos. Será que eles não estão na minha turma? Preciso que chegue logo o intervalo para procurá-los.
Toda vez que eu fico sem falar com eles por um longo tempo eu lembro que eles são as únicas coisas que amo mais do que objetos em miniaturas.
O André é meu melhor amigo desde que eu aprendi o que são sinônimos, que a propósito foi ele que me ensinou, aos sete anos.
Somos inseparáveis desde então. André é uma pessoa simples. Ele só tem uma regra para tudo, que é: não dividir. Ele não divide comida, objetos ou amigos. Ele só me divide com o nosso quarteto de amigos, formado por mim, o André, a Íris e Lúcia.
E nenhum deles havia entrado na turma que eu estava. Será que pela primeira vez em 8 anos ficaremos em turmas diferentes?
Toca o sinal e um professor diferente entra.
-Abram o caderno, 1002! Separem duas matérias para Projetos Políticos e se preparem para escrever! Me chamo, Pedro e sou o novo professor de PP, Pesquisas e de Tecnologia Aplicada. Nos veremos bastante...
-1002? – Pergunto – Profê, você disse 1002?
-Isso. Disse, sim. Turma 1002! – Ele enfatizou.
Abro meu caderno amarelo de anotações e procuro rapidamente a informação e encontro "Corredor C, Sala 2, turma 1001."
- FA-LA SÉRIO! Tô na sala errada desde o primeiro tempo!
Começo a pegar meu material, enfiar na bolsa. – Preciso achar minha sala. – Digo para mim mesma. Levanto e me dirijo a porta e antes de sair ouço
- Anny, volta para falar mais sobre sua terapeuta! – Essa frase veio de uma das meninas no fundo da sala que não me lembro o nome. Mas sei que não vou esquecer a sua blusa cor marsala, de linho e gola alta. É linda!
Sorrio como resposta e mando um beijo para a turma toda. Foi no automático, não sei por que eu fiz isso, mas surpreendentemente a turma respondeu com acenos, beijos e palavras positivas.
Eu nunca fui o tipo popular, apesar de falar com todos ao meu redor.
A energia da turma 1002 me conquistou, mas preciso ir para 1001 e saber se meus amigos estão lá.