Puros e delicados como pequenos pedaços de sonhos infantis adormecidos...
O que eu estava pensando quando aceitei essa encomenda? Já é ruim o suficiente fazer sucesso aos 16 anos com um romance descrito como hermético e de uma beleza fresca. A poesia torta escapou de meus dedos incertos naquele inverno nebuloso.
Minha alma gêmea, coração de cerejas palpitantes, cérebro fervendo de palavras graciosas e pés inquietos traçando caminhos furtivos e nada fortuitos. Braços carregados de flores delicadas e sussurros displicentes derramados em noites de outono.
Tudo, todas as palavras e caminhos e danças em noites de luar e as estrelas coladas no teto e os sonhos intrincados e os suspiros aquáticos enterrados na neve beijada delicadamente por aquela que povoou minhas conjecturas finas como pássaros de papel.
Haerin Haerin Haerin Haerin Haerin Haerin Haerin Haerin
Escrever até estragar as teclas gastas da velha máquina não faz o tempo girar para trás; não me transporta ao frio sufocante daquela madrugada isolada. A neve que testemunhou os olhos de minha querida contando estrelas confusas não se transformará magicamente em travesseiros de plumas e cobertores protetores.
Me pergunto se esses flocos que agora caem tão graciosamente em minha varanda terão vislumbrado pedaços incomensuráveis de seu sorriso cristalino e puro. Se me aproximar e deixar ser envolta pelo branco glacial, conseguirei me unir a ela em outra galáxia, afastada das dores e preocupações e gritos e lágrimas e arranhões e cheiro de tinta?
Não é ruim tentar, e se tudo o que ganhar for uma garganta arranhada e olhos inchados, bem, ainda tenho pastilhas coloridas sem prazo de validade e lenços de papel cheirando a frutas esquecidas.
Ensaiando passos de dança na escuridão do quarto...
Não, isso nunca dará certo. Serei apenas a escritora de um sucesso, sorte de uma principiante perdida nos labirintos escorregadios da linguagem. Lépida aventureira portando luvas de pelica e perucas cor de rosa.
Eu poderia rir e rodopiar nessa chuva branca e fofa, imaginando os comentários de Haerin a respeito das imagens complicadas que eu tramava com tanto cuidado, embalando a palavra como um bebê nervoso e úmido. Beijos de algodão delicado e cálidas lágrimas de cristal para regar e manter personagens tão turvos e tênues.
Lágrimas de fato se misturam à neve encrespada num rosto que reconheço cada vez menos em espelhos opacos. Opacas também as vozes chamando de selvas distantes, hostis e coloridas. As batidas abafadas pouco fazem por meus órgãos trêmulos.
20 anos, Hanni Pham. 20 anos e nenhuma aspiração de anjos de mármore ou cartas arruinadas. Nomeei Docinho a fada auspiciosa que manchou inúmeros manuscritos com lágrimas bondosas. Sem você, pequena Haerin, dona de sonhos doces, nada teria sido possível.
Tão suave como pequenas mariposas revoando ao sabor do vento estridente, o papel cor de creme cheirando a cereja madura farfalha até repousar suavemente em minhas mãos trêmulas. O carimbo com glitter, a letra trêmula de cor vermelha, o coração que parece pulsar em cada linha não vislumbrada. Tudo sopra em meus ouvidos que ela, ouvindo meus sussurros discretos, me mandou um sinal.
O ceticismo coberto de cicatrizes tenta recobrar a dominância tropical em mapas traçados com tinta fraca. Abro bem a boca e engulo um punhado grosso e refrescante de neve. O gosto é de cereja, e é dessa forma amorosa que eu sei que o sinal há muito vislumbrado em sonhos opacos saltou para a realidade trêmula e inconstante.
Ainda assim, meus dedos endurecidos de frio hesitam na abertura deste portal cortante. A despeito de despedidas atrasadas e gomos de laranja desperdiçados, serei capaz de encerrar em meus circuitos quebrados semelhante ode à vida terrivelmente irreparável? Não há tempo para filosofias inexplicáveis. Do outro lado, onde quer que esteja, Haerin aguarda.
querida coelhinha feita de folhas de eucalipto,
espero que esta missiva te encontre sem maiores interferências. não pode imaginar o quão difícil é concatenar essas palavras de cereja daqui de onde estou. você sabe que não gosto de palavras complicadas e sinto uma imensa dificuldade para criar metáforas bonitas. você sempre foi a mais literária, enquanto eu preferia experimentar aventuras palpáveis.
vê? estou quase falando como você, me expressando em seus termos graciosos e melancólicos. você, e apenas você, é capaz de transformar suco de melancia e gomos de laranja perdidos em pura poesia. e eu te amo por isso. por isso, e por muito mais, você sabe.
não fique brava com meu longo silêncio. não sei se pode imaginar a angústia que todo esse tempo fora do ar me causou. por vezes, tentei em vão te contatar pelo seu pequeno rádio azul petróleo, aquele que te dei no seu aniversário de 13 anos; talvez você tenha ouvido alguns chiados e ruídos estranhos há algumas semanas (ou seriam meses? o tempo é circular por aqui, fico confusa).
não pergunte como, mas sei que, no fundo do seu coração congelado, dúvidas e incertezas brotam "como flores calcificadas e ásperas", para usar suas palavras. sei que não consegue passar das primeiras linhas de seu próximo romance, simplesmente não sabe como.
pode parecer que, com a minha partida, levei junto suas inspirações e melhores palavras. não deixe que suas emoções te enganem tão covardemente. seu corpo sempre foi um amplo jardim cheio de árvores exuberantes e flores perfumadas. e eu sempre fui a abelhinha curiosa absorvendo tudo com felicidade pura.
por isso, embora nuvens chuvosas cubram de sombras suas bela árvores e às vezes pareça que nenhum fruto macio possa nascer em terreno espinhoso, prenda seus olhos nas estrelas pulsantes em um céu bordado para seus olhares curiosos. lembre-se de mim, pense em nossas noites cheias de luzes coloridas e gargalhadas incansáveis.
eu te amo muito, hanni. mais do que seu coração magnífico possa imaginar. e sei que você me ama também; sinto nossa conexão mágica mesmo tão distante. sinto muito que algo tão banal como a neve tenha tentado cortar nosso sinal. quero que saiba que, acima de tudo, estou sempre com você. sempre.
enquanto nosso sinal especial sintonizar em rádios velhos e encontrar caminho em meio a temporais congelantes, teremos uma a outra. teremos cartas e ligações tímidas às duas da manhã (farei o meu melhor para não te acordar de madrugada!). e sempre teremos o amor e o companheirismo e nossas memórias juntas.
acredite em minhas palavras, hanni. coma pêssegos macios, escreva aquele romance especial e caloroso e lembre de mim em dias felizes.
com amor (e caroços de cereja),
haerin.ps: espere pelo meu sinal amanhã!
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signal
FanfictionHanni não esperava por aquele sinal one-shot | hanni & haerin | newjeans | ©juncotton, 2023