O som das vozes que vinha da cozinha acordou Selena. Rapidamente, ela se colocou de pé, meio atordoada, tirando o cabelo dos olhos. O vento que soprava do lado de fora fazia a madeira da janela dar batidinhas leves.
Ela olhou o brilho do sol entrando pelas frestas.
— O lerdo do Briguento não cantou hoje? Ele vai ver só hora que eu colocar minhas "mão" nele... — resmungou consigo mesma.
Briguento era um galo grande e bonito, com penas bem pretas e reluzentes, crista vermelha e imponente. Selena deu a ele o nome de "Briguento" por que, além de implicante, o galo não aceitava nenhum macho que não fosse ele entre as galinhas, sendo o bendito é o fruto dentro do galinheiro. Todos os dias, ele cantava religiosamente às cinco da manhã, e Selena se baseava no canto dele para pular da cama.
— Logo hoje, que eu queria espiar o treinamento do menino príncipe, Briguento achou de acordar mudo! — resmungou novamente, fazendo uma careta e revirando os olhos.
O barulho de metal batendo na madeira chamou sua atenção e ela escancarou a janela. A luz do sol invadiu o quarto e Selena esfregou os olhos, espiando em volta. Ventania, sua mulinha de estimação já estava com o focinho enfiado no cocho de farelo de milho. O polaco que ela pendurou em seu pescoço batia sem parar no cocho, fazendo um barulho oco.
— Ai, ai... não... — choramingou.
Colocar farelo e água para Ventania era uma de suas obrigações logo ao se levantar. Foi com essa promessa de que ela própria cuidaria da mula, que o pai permitiu que ficasse com o animal. — Cumé que fui durmir desse tanto? – Pensou antes de ajeitar os cabelos como pôde, e se ir para a cozinha, de onde vinha a voz do pai e da avó.
Ressabiada, entrou sem fazer qualquer barulho.
A primeira coisa que seus olhos enxergaram foi a mochila rosa e vários objetos espalhados sobre a mesa. Cadernos, alguns livros, estojos com lápis e canetinhas para colorir. Tinha de todas as cores, coisa que Selena nunca tinha visto na vida. Borrachas com cheiro de morango e apontadores em formato de bichos, coelho, cachorro, gatinho...
Ela parou estática, os olhos arregalados, sem saber o que fazer.
— O que foi, filha? — perguntou Solano, analisando a expressão do rosto da menina — Não gostou?
— Selena vem ver, espia só o tanto de coisa que a Imperatriz mandou procê levar pra iscola! — a voz de dona Damiana estava cheia de empolgação.
O peito da menina subia e descia pesadamente e ela não disse nada. Permaneceu parada, olhando para a avó e o pai como se estivesse em estado de choque. Ela que sempre foi tagarela por natureza, desta vez estava muda, mas não por não ter nenhuma palavra pra dizer, e sim porque ela realmente não conseguia dizer nada.
Solano esticou o braço e puxou Selena para seu colo. Subitamente, ele a abraçou e beijou seus cabelos algumas vezes. O abraço foi tão apertado, que era como se ele quisesse dizer para a filha, que ali, dentro dos braços dele, ninguém poderia machucá-la e que também, ninguém poderia separá-los.
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SELENA
RomancePatrimônio natural de Arrebol e o mais valioso de todos os mundos, a Serra da Lua Negra é um lugar remoto, guardado e preservado por causa da sua biodiversidade e suas grandes jazidas de cristais, aflorando por todo canto da sua superfície. Entretan...