CAPÍTULO 36

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               ANTHONY FERRAZ

No momento em que Tom me ligou, eu estava em uma reunião com alguns empresários discutindo a abertura de mais duas filiais no estado do Espírito Santo. Estávamos finalizando os últimos ajustes. Ao reconhecer o número dele, imediatamente saí da sala de reunião. Quando ele me relatou que Melinda tinha recebido uma ligação que a deixou emocionalmente abalada ao ponto de ter um colapso, larguei tudo, apenas peguei minhas chaves do carro e pedi para Eduardo me substituir na reunião. Fui o mais rápido possível para encontrar Melinda. Vê-la naquele estado tão frágil me desmontou. Apesar de me sentir mal por vê-la daquela forma, eu era o que ela precisava naquele momento, o seu porto seguro, a calmaria em meio à sua tempestade interior. Estive presente sem impor nada a ela. Agora, o que Melinda não precisa é de alguém que a force a se abrir. Levei-a para casa, mas antes pedi para Tom e Sérgio procurarem William para tentar rastrear a origem da ligação. Preparei um banho de banheira, coloquei uma música suave e tentei transmitir calma e segurança a ela. Suponho que funcionou, já que ela adormeceu. Beijei seus cabelos, levantei-me cuidadosamente da cama e saí do quarto. Tom e Sérgio me esperavam na cozinha.

— Linda está melhor? — Sérgio perguntou preocupado.
— Ela adormeceu. Pelo menos não chorou. Mas não sei se isso é bom ou ruim, considerando seu estado. — respondi, sentindo-me cansado. Passei a mão nos cabelos, bagunçando-os, e tirei a gravata que parecia sufocar-me.
— Conseguiram entrar em contato com William? — perguntei a eles.
— Sim, ele pediu para você ligar para ele.
— Certo. — Peguei meu celular e liguei imediatamente para William.
— Oi, Anthony. Demorou a ligar.
— Melinda precisava de mim. Descobriram alguma coisa? — perguntei.
— Sim. A chamada veio do número registrado no CPF da mãe dela, Cássia. Melinda e Cássia conversaram por aproximadamente 7 minutos. — ele passou o relatório completo. Não me pergunte como ele conseguiu fazer isso, pois não tenho ideia. Conheci William no Club Dell'Ângelo alguns anos atrás durante uma das minhas viagens rotineiras ao Brasil. Depois, nos encontramos nos EUA e desenvolvemos uma espécie de amizade.
— Seja o que for que ela disse, fez com que Melinda se tornasse retraída. — comento, expressando minha preocupação crescente.
— Ela não conversou sobre o assunto? — perguntou William.
— Nada. Apenas me pediu para levá-la para casa. Ultimamente, ela estava tão bem. Não quero que ela se preocupe com nada. Fico pensando no que Cássia disse para deixá-la desse jeito.
— Se eu pudesse adivinhar, tem algo a ver com o ex-marido dela.
— Se Cássia estiver envolvida nisso, ela terá que pagar, assim como o Ricardo. — desabafo, perdendo o controle sobre minhas próprias ações.
— Apostaria meu rim que ela transmitiu alguma mensagem ou tentou manipulá-la novamente. Sabe que estou ajudando Álvaro nessa caçada ao maldito do Ricardo. Se há algo que eu abomino nessa vida são agressores de mulheres. Se pudesse, limparia o mundo dessa raça maldita. — William se manifesta com uma voz fria e letal. Ele e Ângelo transitam entre dois mundos, sempre à margem de um e outro, mas mascarando bem o que são perante a sociedade.
— Você está certo, William. Se há algo que deveria ser extinto da face da Terra são esses seres. — falo com raiva. Homens como o Ricardo fazem com que muitas mulheres desistam de viver, deixando para trás seus filhos, ou pior, sendo vítimas do próprio maldito que acaba tirando suas vidas. E com as leis e a justiça no Brasil, pouco é feito para punir esses criminosos.
— Acredito que precisarei ser mais incisivo com o casal Cássia e José Luiz, William. Por isso, peço que me envie um dossiê completo com fotos do contrato que eles assinaram, assim como as provas do que fizeram para estarem nas mãos do Ricardo. E, sendo um pouco mais filho da puta, quero aquele segredo que todos escondem e que infelizmente pode destruir a ideia de família que Melinda possui, se ela descobrir a verdade. — sei que pareço sujo, mas sou obrigado a usar as armas que tenho para combater essas pessoas desprezíveis. Se eles pensam que estão nas mãos do Ricardo, não imaginam que eu posso ser ainda mais cruel do que ele.
— Você ainda não revelou para Melinda o que descobriu? — William questiona, acusando-me.
— Não. Me diga como vou contar que a família dela mentiu para ela a vida toda? Como vou chegar para ela e dizer que ela foi vendida? Foi vendida pelas pessoas em quem mais confiava. Não é algo simples de se falar. É complicado. — confesso que, mesmo sabendo do risco de que, se algum dia Melinda descobrir que eu escondo algo tão grave, ela pode vir a me odiar, não tenho coragem de revelar tudo o que descobri. É doentio. Penso que, até certo ponto, é correto manter segredos, mas acredito que, quando ambas as partes têm idade suficiente para decidir o que querem, não se deve omitir nada. Porque um dia o passado simplesmente baterá à porta e cobrará seu preço, que pode ser alto demais.
— Olha, amigo, acredito que você está em uma situação muito complicada. Só posso desejar boa sorte e que essa história não se volte contra você. Entendo seu raciocínio, mas acredito que não seja a opção mais lógica. Às vezes, é melhor ser amigo e contar a verdade por si mesmo do que deixar que ela descubra sozinha e o odeie por ter omitido algo assim. E sabe o que é pior nisso tudo? — ele pergunta, parecendo pensativo.
— O quê?
— Se, caso essa bomba explodir em cima dela e ela descobrir que você sabia e não contou, em quem ela vai poder confiar? A quem ela poderá recorrer? Por isso, meu amigo, aconselho você a pensar bem e escolher uma opção que não torne essa história uma bagunça ainda pior.
— Você está certo, William. Vou tentar encontrar uma forma de explicar a Melinda sem fazê-la sofrer tanto.
— Julgo que será impossível. E digo mais, se fosse comigo, eu incendiaria o mundo. Vou desligar, Anthony. A qualquer momento, apareço com mais informações, e pode apostar que vamos pegar esse desgraçado e ele receberá o que merece.
— Obrigado, William, pelo apoio. — ele desliga e eu fico ali na cozinha, refletindo sobre a encrenca em que me meti. Sinto-me à beira de um precipício.
— Preciso de um tempo sozinho. Vocês podem cuidar de Melinda para mim? — pergunto, olhando para Tom e Sérgio.
— Claro, Anthony, com certeza. — eles respondem. Com essas palavras, saio do apartamento. Antes, passo pelo nosso quarto e observo Melinda dormindo. Beijo seus cabelos. Ela parece estar em um sono tranquilo. Saio do quarto e vou em direção ao estacionamento. Por via das dúvidas, ligo para Marlucia e peço que ela vá para meu apartamento.
Então, pego minha moto e saio para a rua. Ao alcançar a estrada, acelero o máximo que posso, buscando encontrar um pouco de paz na confusão que estou sentindo. Não posso fraquejar, especialmente quando preciso ser o que Melinda precisa. Ela sempre vem em primeiro lugar para mim, mesmo que em algumas horas eu esteja pior do que ela. Serei seu suporte, onde ela pode descansar e confiar, ao invés de ser mais uma fonte de confusão com a qual estou lutando para lidar. Mergulho em cada curva que a moto faz, sentindo o sangue correr quente em minhas veias pelo poder da adrenalina, como se estivesse voando.

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