Ele nunca soube ao certo de onde veio. Para falar a verdade, não se importava muito. Porém, se divertia todas as vezes que lhe contavam com espanto quando o haviam encontrado: um bebê coberto de terra, folhas e gravetos, engatinhando, sorridente, em meio à mata próxima à aldeia.
Ele sabia que era diferente daqueles que o criaram, afinal, enquanto os outros nasciam, cresciam e morriam, para ele, era como se poucos meses tivessem passado, pois permanecia como uma criança, como se o tempo passasse de uma forma diferente para seu corpo. Graças a isso, todos com quem convivia também sabiam que ele era especial. Mas ainda assim, o tratavam como um igual.
As gerações passavam na aldeia e lá estava ele, sempre se aprimorando, aprendendo a pescar, caçar, dançar e cantar, era tranquilo, gostoso e divertido.
Até a chegada deles.
Tudo começou a mudar quando um grupo de homens com roupas diferentes, fala engraçada e objetos estranhos chegou à praia. Inicialmente o interesse dos forasteiros não foi grande, já que haviam chegado ali por engano, mas logo uma das belas árvores, que mais tarde ganharia o nome de Pau-Brasil, chamou a atenção dos estrangeiros, tornando-se alvo de extração e exploração.
Os índios, familiares próximos e queridos do pequenino, ajudaram nessa retirada da madeira, tudo por escambo, uma troca de serviço braçal por quinquilharias como espelhos, foices e baús. Ele não entendia muito bem, mas sabia que aquilo não parecia certo. Sua intuição mostrou-se correta quando o escambo se transformou em pesadas algemas e grilhões, que escravizaram todos aqueles a quem amava.
A partir daí, os dias calmos e tranquilos de caça e pesca que o garoto desfrutou até aquele momento acabaram. Tudo à sua volta ruiu entre disputas, invasões, tratados e acordos, e por causa disso, os anos seguintes o transformaram em um jovem mais sério, fechado e desconfiado. Esse crescimento repentino teve motivos, e eles se chamavam Portugal, Espanha, França e mais tarde, até mesmo Holanda, nomes que ele aprendeu a contra gosto. Por outro lado, com a expansão e abertura do território, o moreno encontrou outros como ele – crianças, que apesar de assustadas com tudo o que estava acontecendo, eram igualmente especiais. Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, São Paulo... naquele momento seus nomes ainda não eram esses, mas a cada pequenino que encontrava, o moreno fazia questão de acolhê-los.
A outra grande mudança ocorreu no ano de 1815, quando a Família Real de Portugal precisou de um "esconderijo" devido às investidas do França contra seu território.
— É por pouco tempo – o moreno de olhos verdes possuía as palmas das mãos unidas diante do peito, em um pedido exagerado de "por favor".
Brasil alternava seu olhar duro entre Portugal e a Família Real atrás dele. Sua vontade, não podia negar, era de enfiar todos na primeira embarcação de volta à Europa e que se explodissem, mas apesar de toda a dor que enfrentou na vida, seu coração ainda era genuinamente bom e generoso, e sempre iria ser.
Por fim, o mais novo soltou um pesado suspiro.
— Faça como quiser – ele fez uma careta. – Não é como se minha opinião importasse de qualquer forma.
Portugal abriu um sorriso enorme, agradecido, e estendeu os braços para o brasileiro.
— Essa é a minha Colônia!
A simples menção daquelas palavras fez o sangue do moreno ferver, e com um movimento rápido e brusco, ele bateu nos braços do europeu, o afastando.
— Não somos amigos – Brasil rosnou entre dentes, pontuando cada palavra e dando as costas aos portugueses.
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07 de Setembro
General FictionBrasil sempre teve muito orgulho de sua história, pois todos os conflitos e conquistas construíram o país forte e determinado que ele é. Entretanto, na véspera de seu aniversário de 201 anos, em meio a um mar de lembranças, um sentimento incômodo ai...