Capítulo VI

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O resto da semana passou num piscar de olhos, pelos próximos dias Wyllan e Deliah desapareceram, seja qual tenha sido o motivo eles não deixaram rastros ou sequer apareceram, como de estivessem evitando me encontrar, apesar de ser estranho, já era esperado. Pelo menos aproveitei esse tempo para ficar dentro da tenda fazendo absolutamente nada, Yahto percebeu meu estado "crítico" e me fez tirar umas férias forçadas dos serviços domésticos.

Eu não o culpo, embora tenha se tornado entediante ficar parado por muito, nas horas que inventei de escapar da tenda, eu era puxado de volta pela orelha. Meus pesadelos também se intensificaram durante esse tempo, eles aparentavam saber que estava chegando o dia do festival e toda bendita noite era sempre a mesma imagem, olhos dourados me olhando na escuridão.

É irritante quando até sua mente constantemente te lembra do seu maior medo, como se você já não soubesse da existência dele, não falei nada para aqueles dois pois não queria tomar alguma erva pesada tão próximo da festa, iria arruinar o clima de felicidade deles, por mais doloroso que fosse ainda era suportável.

Com a chegada do dia, logo pela manhã todo mundo acordou cedo, tomou banho e fomos nos vestirmos. Para eles, devido ao cargo de xamãs, precisavam usar tangas específicas, essas completamente brancas e com todas as fases lunares bordadas em preto, além do uso de cocares — que na minha opinião, são bem espalhafatosos.

Só os líderes de clãs grandes e os próprios xamãs possuem autorização de utilizar esse tipo de acessório na cabeça, é um sinal de respeito e poder, alguns são herdados e passados de pai para filho, muitos existem desde os primórdios do nosso povo, o que também indica o quão devoto algumas famílias são as nossas tradições.

É uma sentença bonita, embora eu continue achando alguns bem feios até hoje, pelo visto até o mau gosto nasceu junto do mundo. Voltando a eles, ambos tiraram suas vestes e pegaram pincéis e alguns jarros de tinta. O processo de pintura costuma ser lento e envolve bastante precisão, pelos próximos minutos eles preencheram a pele um do outro com desenhos, haviam círculos, linhas, setas, ondas e outras formas mais comuns.

A tintura branca preencheu cada centímetro do corpo, tanto que eu nem conseguia ver direito a pele morena de ambos. Depois de colocarem as roupas cerimoniais, os cocares e os acessórios, eles estavam prontos.

— Vocês são xamãs ou "lobos da noite"? — Como de praxe, fui recebido com um cascudo por Yhoki, mas sem antes cair na gargalhada, era inevitável, todas as vezes eles sempre chamam atenção durante qualquer celebração.

— Chega de gracinha, vai se arrumar logo ou sairemos em cima da hora. — Ele diz isso, mas adivinha quem fica cuidando da pele durante toda madrugada? Meu olhar já foi suficiente para fazê-lo entender o que eu estava pensando e como resultado quase fui atingido por um pincel voador.

Quanto às minhas roupas, elas definitivamente eram mais simples, se consistindo numa tanga bege e vários colares confeccionados com miçangas, para os ornamentos, retiro do fundo do baú os meus antigos brincos e presilhas de penas, colocando várias espalhadas pelo meu cabelo e algumas presas as orelhas.

Como escolhi não fazer pintura dessa vez, então fui ajudar Zhari nas dele, ele está tão animado que até escolheu trajes semelhantes aos meus, como se já não bastasse, isso tudo vai ficar sujo de lama daqui algumas horas.

Já estava próximo do meio dia quando terminamos, depois só pegamos o necessário e partimos. Como esperado, o bosque Bhuswya, era bem próximo de onde morávamos, visto que a paisagem lentamente saiu de uma mata fechada para enormes campos abertos até onde a vista alcançava, cercado por cordilheiras e ventanias frias que resfriavam nossos corpos.

Olhar para esse lugar me faz lembrar de quando eu vinha aqui durante a primavera, o solo floresce e enche a relva com flores coloridas e perfumadas, cheguei a passar horas deitado no meio da grama apenas gostando de sentir o aroma doce presente no ar, é… foram tempos bons, hoje esse cheiro costuma me causar enjôos.

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