- A sala ficou realmente linda - Stenio elogia, olhando para a decoração do ambiente, os quadros pendurados, os cactos que permeavam o local. Tenta olhar para ela de maneira discreta através da televisão. Queria evitar movimentos bruscos. Queria evitar se mexer, queria evitar acabar com a mágica do momento.
- Obrigado, até que foi divertido decorar isso aqui - ela admite, mas soa ainda hesitante. Não tem certeza de como agir ao redor dele ainda. A presença de Stenio é algo que ela precisa voltar a se acostumar. Ela esperava que fosse ser difícil, mas sentada ao lado dele no sofá, cada um com sua bebida e compartilhando histórias, ela podia ver que não. A presença de Stenio nunca seria estranha para ela.
A ausência sim. Tinham sido três longos anos sem ele. E ela negava isso para todos ao seu redor, inclusive para si mesma. Mas era mais fácil de negar quando ele não estava olhando cada centímetro do corpo dela pelo reflexo da televisão como se ela não fosse perceber.
Ela poderia colocar a delegada para jogo, fazer a linha dura e brigar com o advogado. Mas brigas entre eles poderiam facilmente acabar no quarto. Ela poderia encará-lo de volta para que ele percebesse o olhar dela também. Mas essa era uma opção arriscada, já que encarar Stenio de frente poderia terminar de uma maneira que ela estava tentando evitar no momento.
Optou pela terceira e mais segura opção: fingir que não percebia enquanto sentia cada centímetro do seu corpo arrepiar, tentando com todas as suas forças disfarçar.
A mais segura das opções, definitivamente, não era a mais fácil.
Stenio, por sua vez, sorria observando Helô sentada ao seu lado, mirando o nada enquanto dava pequenos goles na sua bebida. Encarando, eventualmente, o copo como se ali fosse encontrar todas as respostas do mundo. Não havia como negar, ela se sentia tão abalada quanto ele após esse reencontro.
O que era um alívio, mas também razão de tristeza. Era cruel duas pessoas se amarem tanto e viverem longe uma da outra dessa forma. Era triste algo tão certo, dar sempre tão errado.
- Você odiou, né? – ele havia percebido pela cara dela, ele conhecia Heloísa como ninguém.
- O que? – perguntou ela confusa.
- O perfume. Você odiou o perfume. – Ele sorria, aquele sorriso que era reservado apenas para ela enquanto se virava para encará-la de frente.
- Odiei mesmo, o outro era bem melhor – disse ela com certo desdém, como se não se importasse com isso.
Mas se importava. E muito. Porque o perfume novo era apenas um lembrete que eles não mais pertenciam um ao outro, que a vida deles agora andava em rumos distintos e que tudo estava diferente. O perfume novo era a lembrança de tudo que ela não havia vivido com ele e, mesmo sabendo que havia sido escolha dela, Heloísa odiava isso.
- Com uma dose de incentivo, eu posso voltar pra ele. – Ele disse provocando, olhando fixamente para a delegada que, finalmente voltou sua atenção para o advogado.
- Eu hein, que incentivo o que, Stenio? Usa o perfume que tu quiser, eu não tenha nada com isso.
- Eu também preferia o seu outro perfume.
- Você não tem que preferir nada, quem tem gostar sou eu.
Ela voltou a ficar séria, ainda inclinada de frente para ele, olhando em todas as direções possíveis para que seus olhares não se encontrassem.
- Helô? – ele perguntou numa voz mais baixa, mostrando que queria paz.
- humm? – ela finalmente olhou pra ele novamente.
- O que você fez nesses três anos que a gente não se viu?
A pergunta a pegou de surpresa. Ela tinha certeza de que ele sabia exatamente o que ela tinha feito, assim como ela sabia das mudanças mais recentes na vida do advogado como a sócia Laís e o novo escritório. Aparentemente, ouvir dela era importante. Ela secretamente gostou do cuidado.
- Viajei, fiz cursos fora, me especializei em crimes digitais... bastante coisa.
- Sempre soube que você iria longe - E ela parecia tão confortável no sofá ao lado dele. E tudo que Stenio queria é que fosse sempre assim, que eles pudessem terminar seus dias conversando como amigos íntimos, continuando o resto da noite como amantes.
- Stenio... – a maneira como ele a encarava agora, estava deixando Helô zonza. Porque era um olhar que ela não conseguia descrever com nenhuma outra palavra que não fosse amor, e ela tinha medo de retribuir na mesma moeda.
- Vai dizer que você não sentiu falta da gente, Helô.... – disse ele se inclinando na direção dela, cada vez mais perto, as mãos indo ao encontro dos cabelos da delegada, soltando o coque e permitindo que as ondas caíssem sobre seu ombro.
- Para Stenio, no cabelo não.... - O toque da mão dele mão em seu pescoço a silencia e, ironicamente, a mantém firme enquanto seu coração começa a bater mais rápido.
A respiração de Helô fica vez mais ofegante enquanto ela observa atentamente ele se inclinando, depositando nos lábios dela o mais cuidadoso dos beijos. Mas entre eles, sempre bastou uma faísca para as coisas saírem de controle e quando Stenio não se move, pairando ali com a boca tão perto, Helô envolve seu rosto em suas mãos e o beija do jeito que ela tanto sentia saudade de fazer.
Ela sente quando ele se inclina para trás no sofá, puxando-a consigo pela cintura, fazendo-a se deitar por cima dele. Nem mesmo se Helô tentasse (o que ela nem se preocupou em fazer), conseguiria segurar o gemido, baixo e enlouquecedor que deixa sua garganta, enquanto ela funde seus lábios aos dele, roubando cada respiração que lhe resta.
Quando a mão dele entra em contato com sua pele, ela percebe que eles estão prestes a cruzar novamente uma linha que ela ainda não sabe se está pronta para cruzar. Se apoiando no peito de Stenio, ela se afasta e se levanta do sofá, deixando o advogado confuso deitado no sofá, olhando para a delegada sem dizer uma única palavra.
- É melhor você ir embora, Stenio – diz ela caminhando em direção a porta.
- Helô...- ele sabe que é inútil, mas ainda assim tenta. Ele precisa tentar.
- É sério, vai vai vai – ela abre a porta para ele sair pela segunda vez naquele dia.
- Eu vou...mas eu volto.
- Não volte.
Ele passa por ela, muito mais perto do que seria necessário, fechando novamente os olhos ao sentir o cheiro dela, agora misturado ao dele, que ela emanava.
Ele poderia até preferir o perfume o antigo, mas o cheiro de Helô sempre seria o favorito dele no mundo.
Se dias depois eles se esbarrassem acidentalmente na casa de Tia Cotinha e ambos estivessem usando seus perfumes antigos, ninguém mais perceberia. Mas eles sorririam um para o outro.
Eles sabiam. E isso era mais do que suficiente.
Eles eram suficientes.
Eles sempre seriam tudo que o outro precisava.