poison, wine (and christmas)

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Helô sabia quando algo estava diferente entre ela e Stenio. Normalmente sabia bem, afinal, era sempre ela impondo os limites, distâncias, afastamentos ou aproximações. Stenio estava sempre ali, tentando e buscando uma reaproximação. Tentando voltar, tentando tê-la de volta...tentando.

Ela sentia muito forte dentro dela que algo havia mudado. Havia algo sobre a maneira em que toda vez que ele tentava algo e ela recuava, ele desistia. Talvez fosse simplesmente por entender o tempo dela, mas talvez fosse algo a mais. E esse algo a mais assustava a delegada.

Era fácil – e até cômodo- para ela, a insistência do ex. Era fácil culpá-lo pelas recaídas, por ele sempre estar na casa dela. Era mais difícil agora.

Helô olhava para a cama dela, e parecia estranhamente grande. Deitada ali, sobrava espaço demais. Faltava algo. Esse sentimento a delegada só havia sentido uma única vez: logo depois do divórcio. Naquela época, as noites pareciam não ter fim, a cama parecia gelada demais e o espaço ao lado dela incomodava. Com o tempo o sentimento foi melhorando, até ela se convencer de que não sentia mais falta alguma, que o espaço vazio que ele havia deixado era justamente o que ela precisava.

Mas ele havia voltado e relembrado como era o sentimento com ele ali, sendo invasivo e espaçoso. Chegando e preenchendo os espaços dela, tomando tudo pra si e a fazendo dele. E ela já não conseguia mais esquecer.

Ela odiava quando ele estava certo: eles não sabiam viver um sem o outro.

Deitada na cama agora, a delegada olhou para o lado e se pegou triste. A ausência de orquídeas ao lado da cama era apenas um lembrete de como ele havia se afastado. Quando ele foi embora depois do sequestro, depois do beijo e da noite de amor que tiveram, ela esperou as flores que nunca chegaram. Depois da noite que passaram juntos com ele dizendo que sentia saudade até das brigas, ela esperou novamente. Nada mais uma vez.

As duas flores que ele havia trazido em curto espaço de tempo, foram de azuis à brancas, até terminarem sendo jogadas no lixo por Creusa. Eram apenas flores, não deveria ter doído tanto.

Mas as visitas esparsas e sem motivo, assim como os vinhos inesperados – e esperados também - haviam cessado. Ele havia parado de procurar. As conversas hoje eram profissionais. Exatamente como ela tanto havia pedido. Exatamente como ela tanto queria. Afinal, era isso que ela queria.... não era?

Hoje, ela já não sabia mais.

As noites deveriam ser revigorantes, mas ficava difícil dormir quando ela ainda parecia sentir a língua dele em seu pescoço e como os cabelos dele eram macios entre os seus dedos. Estava sendo difícil seguir sem ele.

No dia seguinte, ela saiu cedo para trabalhar na delegacia. Era visível para quem quisesse ver que ela não estava no seu estado normal. Irritada com absolutamente tudo, estava ficando difícil lidar com toda a situação. Qualquer coisa era motivo para irritação. Qualquer espirro era motivo para briga.

Se sentindo exausta, Helô resolveu sair mais cedo e chegou em casa depois de mais um dia estressante no trabalho. Ela só queria uma taça de vinho e sua cama. Precisava dormir.

Ouviu vozes vindo da cozinha. Ela reconheceria a risada dele a quilômetros de distância. Sem perceber, arrumou o cabelo e a blusa antes de ir para o ambiente. Se pegou ansiosa para vê-lo. Parou na porta da cozinha sem saber ao certo o que dizer.

- Ô, Donelô! Chegou mais cedo foi? – Creusa disse ao ver Helô parada na porta, fazendo com que Stenio olhasse para ela pela primeira vez em dias.

- Vim sim, Creusita... - ela parecia meio incerta, olhou na direção do ex marido – Oi...

- Oi, Helô – respondeu ele, num tom baixo ­– Não sabia que você vinha mais cedo, eu só vim falar com a Creusa – antes de Helô pudesse responder, ele se voltou para a empregada novamente – Tchau, amor da minha vida! A gente se vê, tá bem?

the wine chroniclesOnde histórias criam vida. Descubra agora