Simone
"Volto pra você.
Sempre estive aqui...
[...]
...já não, agora não,
a água ainda não está no ponto.
Me espere."
- Ana Cristina César
Três Lagoas, 20 anos atrás
Sempre imaginei estar nesse mesmo cenário – no sítio da nossa família, meu lugar favorito no mundo – contemplando o trecho do Rio Paraná que corta a propriedade, com uma cuia de tereré na mão, curtindo meus pais e meu irmão, durante férias de uma carreira bem sucedida no exterior. Quem sabe, se eu tivesse um punhado de sorte, teria uma companheira ao meu lado e algumas crianças correndo soltas, nos chamando de mães.
Hoje, aos dezenove anos, estou me despedindo para (se Deus permitir) nunca mais voltar.
Meu sonho se tornou um pesadelo.
Tudo começou a desmoronar há uma semana, em meio aos preparativos para minha viagem de intercâmbio, para a graduação nos Estados Unidos, país referência em tecnologia, uma área que ainda está sendo desbravada e que me instiga.
Eu estava checando as duas malas grandes, arrumadas com auxílio de minha mãe, escolhendo alguns poucos livros que pudesse levar sem exceder o peso da bagagem e descartando peças de roupa que não me serviriam no frio que enfrentaria durante os primeiros dias em meu novo domicílio.
Meus pais nunca foram dados a manifestações de afeto por meio do toque físico ou de palavras melodiosas, mas o suporte que me deram desde o dia em que compartilhei o desejo de alçar voos distantes, mesmo contra o anseio deles de que eu permanecesse naquele interior, foi prova mais que suficiente de que o amor era incondicional.
Enquanto eu olhava de uma mão para outra, cada uma com um livro diferente, Teresa, nossa empregada doméstica de anos, adentra o quarto, sem bater à porta – o que já me causou um franzir de sobrancelhas.
- Simone... com licença... – a jovem senhora me disse, mal disfarçando seu nervosismo. – Tem umas pessoas lá fora... policiais, e... pediram para falar com alguém responsável.
- Policiais? Teresa, tem algo a ver com Rodrigo? Esse menino ainda vai matar nossos pais com essa rebeldia sem causa, sinceramente...
- Olha, eles não me adiantaram o assunto, mas Rodrigo acabou de chegar da escola e não me parece que, dessa vez, tenha culpa no cartório. Sei que você 'tá ocupada, mas eu não ia chamar um adolescente pra falar com a polícia...
- Você fez certo. Avise que já estou indo.
Lancei os dois livros na mala, sem pensar muito, afinal eu era a filha ajuizada e precisava lidar com o que quer que fosse, antes de meus pais voltarem para casa, pois não aguentava mais vê-los com os nervos à flor da pele, graças às inconsequências de Rodrigo.
Há sempre aquele excesso na fala, nos xingamentos, na forma como lida com as pessoas de forma muito agressiva... Se eu quisesse acobertar a irresponsabilidade de meu irmão, para poupar a velhice de nossos pais, mais uma vez, teria que ser rápida.
Caminhei em passos largos até a entrada da casa, onde dois homens altos estavam me aguardando, com uma feição indecifrável nos rostos.
- Boa tarde, senhores. Em que posso ajudá-los? – Os saudei, estendendo a mão para ambos, respectivamente.
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Imperfeitas
FanfictionSoraya se sente como a filha azarada da casa: dos acidentes estranhamente inexplicáveis ao fracasso na vida profissional e amorosa ― nada dá certo para ela. Porém, parece que o jogo vira quando sua alergia a frutos do mar a protege de um desastre, j...