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Acordar sozinho já não era mais tão terrível quanto antes. Por muito tempo, encontrava bilhetinhos espalhados pela casa, post-its colados nos espelhos, geladeiras e armários do que deveria fazer durante o dia, de como preparar algo para comer ou para onde eles - Shadow e Sonic - iriam durante o dia. Mas, depois de aproximadamente um ano morando juntos na casa que antes era a de Shadow, acostumei-me com como tudo se desenrolava.

Portanto, enquanto abria meus olhos às nove da manhã de mais um dia ensolarado do lado de fora da janela, não me senti triste pela cama estar fria e vazia, nem pela casa estar silenciosa. Apenas prossegui, vagando pelo banheiro e pela cozinha, me preparando para, quem sabe, me atirar no sofá e ficar o resto da tarde maratonando séries na televisão.

Nesse período de tempo, todos passamos a morar juntos. Sonic continuava a trabalhar para sua melhor amiga, Amy Rose - que, convenhamos, ficou muitos e muitos meses desconfiada de mim, assim como sua namorada Blaze. Ainda não tenho total confiança de que somos cem por cento amigos, preferindo ignorar os olhares estranhos que ambas me dão quando faço alguma brincadeira inocente com Sonic -, mas agora ele recebia para isso. Antigamente, o trabalho era em troca da moradia, e como não moravam mais juntos, não poderia trabalhar de graça. Já Shadow conseguiu um emprego como garçom em um restaurante bastante chique no centro da cidade - e, só por curiosidade, eu amava arrancar todas aquelas roupas extravagantes do corpo dele quando ele finalmente chegava em casa nos dias de semana.

Todos tinham trabalhos ótimos e bem pagos. Exceto eu.

Não importa quantos currículos eu largue, quantas empresas eu entre, quantas entrevistas eu faça, ninguém quer contratar uma pessoa que já foi presa. Ninguém quer contratar um ex-assassino.

Eu me sentia uma versão menos determinada de um Park Sae-ro-yi (o cara do dorama Itaewon Class), que definitivamente não iria conseguir nem ao menos criar um barzinho de esquina que não falisse na mesma semana.

Eu, na visão dos outros (e na minha também), sou uma completa aberração. Um monstro.

Muitas vezes, eu ainda me pegava culpando-me pelos erros passados, por mais que houvesse sido perdoado há séculos, metaforicamente dizendo. Quem poderia me julgar? Eu fiz coisas horríveis, que nem mereciam ser perdoadas. Talvez eu seja mesmo um vilão.

E esses pensamentos são o suficiente para estragar completamente meu dia, o qual nem iniciou direito. Dez e meia da manhã, e o esquisito do ouriço prata tá subindo e descendo a escada feito um maluco, quase fazendo um buraco no chão, trompando no corrimão pela tontura de tanto ir e vir.

Porque essa é a minha vida; se eu não estou completamente feliz, eu estou completamente devastado, imerso em um mundo sombrio que escondia em meu interior, repleto de mágoas e dores passadas que nunca jamais esquecerei.

E, quando menos esperava, o relógio bateu meio-dia, e eu ainda estava do mesmo jeito, sentindo a solidão que tanto passei a odiar. Reclamando como se isso não acontecesse toda segunda-feira.

Se você pode odiar segundas pelo fato de ter escola ou trabalho, eu posso odiar pelo fato de... me sentir mal? Qual é, eu passo o final de semana envolto em amor e carinho múltiplo, o que espera que aconteça no primeiro dia que me vejo sozinho em uma casa grande?!

E o que eu espero que aconteça perguntando isso pra ninguém em particular?

Almocei no modo automático, mais pela fome que batia. Pelo tempo que rodei de um lado a outro na escada, nem ao menos tomei café da manhã, aumentando a dor de meu estômago em duas vezes. Eu me sentia robotizado enquanto lavava a louça e escovava os dentes, avaliando o meu reflexo acusadoramente no espelho do banheiro.

Behind The Shadows (Volume 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora