CAPÍTULO 10 - Duas tulipas e um remédio

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⚠️Atenção que esse capítulo tem alguns possíveis gatilhos sobre saúde psicológica, mas o final tem um desfecho importante para a história.

Espero que gostem.
Boa leitura 🤍
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"Dizem que o tempo ameniza
Isto é faltar com a verdade
Dor real se fortalece
Como os músculos, com a idade
É um teste no sofrimento
Mas não o debelaria
Se o tempo fosse remédio
Nenhum mal existiria". (DICKINSON, Emily)

Jour de pluie – LOUANE EMERA


POV SAM
1 ano e meio atrás

- Ficou 400,00 THB (Baht). Qual a forma de pagamento?... Senhorita?... Oi?

- Ah, desculpe... – Desperto do meu estupor e percebo que estou atrasando o atendimento no caixa da farmácia. – É... vai ser crédito, por gentileza. – Respondo voltando dos meus devaneios. Olho novamente para as caixas de remédios na cesta a minha frente e sinto a melancolia me abater, envergonhada pela necessidade de psicotrópicos para viver. Queria esconder a faixa preta daquela pequena caixa que o atendente colocava dentro de uma sacola plástica. Eu sabia que não devia me sentir assim, não havia vergonha em precisar de tratamentos, pelo contrário, devia ver o valor de ter reconhecido que precisava de ajuda, mas na prática, a pequena voz que nos derruba, aquela que fala alto nos momentos de crises e se fortalece das nossas fraquezas esbravejava com essa necessidade, usando do ego para nos parar de usar aquilo que pode nos ajudar a controlá-la até ou silenciá-la.

Faço o pagamento e saio da farmácia.

Começo a caminhar em direção ao parque que fica próximo, ainda era cedo para ir para o trabalho e eu evitava ficar muito tempo à toa lá. Infelizmente tenho sido mais reclusa, meus relacionamentos têm se limitado ao necessário, até onde minha máscara social me permitia, até onde ela consegue ocultar as marcas das minhas cicatrizes que ainda latejam.

Meu verniz social me permite perambular entre os grupos, mas não está fortalecido o suficiente para eu ter laços muito estreitos, não consigo ter muita proximidade com os meus colegas, não por enquanto. Sei que para alguns eu acabo por parecer fria e distante, porque de fato tenho sido, mas sou incapaz por ora. Simpatia e cordialidade é o que posso oferecer, infelizmente não tenho muita perspectiva, a efemeridade tornou-se meu preceito, assim como subitamente o que eu queria para eternidade me foi tomado e minha realidade colapsada, eu procuro não ter mais apegos.

Como já prevê a termodinâmica, o universo vive sobre um sistema em estado de entropia, ou seja, desordem. O próprio tempo é direcionado sobre essa condição, porque todo o sistema sempre vai em direção a um estado de entropia maior. Somos vítimas da entropia diariamente, o próprio envelhecimento é uma reação química do nosso organismo que sempre aumenta o nosso estado de entropia. Portanto, o fim de tudo é inevitável. Apesar da noção de tempo ser diferente para cada situação, o fim para algo pode ser prematuro ou não, mas implacável. 

Sento-me ao pé de uma grande árvore diante do lago, próxima a uma bela ponte. Sinto as protuberâncias ásperas da casca da árvore pinicar a pele das minhas costas através da camiseta, mas eu nao me incomodo, me reclino ainda mais e observo o refletir da luz do sol sobre a água e ali me vem a lembrança dos olhos dela.

O fundo terroso do lago colorindo a água de castanho e o sol banhando com reflexo dourado, o cantar dos pássaros que gracejam sobre as copas das árvores completam com a sonoplastia do momento melancólico. Inspirada pela lembrança, pego meu pequeno caderno de notas na bolsa e começo um esboço, usando da arte como refúgio para a mente, na qual se cala ao permitir que a mão expresse emoções que a perturbam.

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