Clara

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Tinha acabado de chegar no complexo, passei na farmácia pra comprar umas coisas e ia comprar sorvete pra Tatiana, as vezes é bom chegar com uma surpresa, ainda mais pra ela que é criança. 

- Coe, novinha - um menino parou com a moto quase em cima de mim, levei um susto, coloquei a mão no peito - Foi mal - riu balançando a cabeça - Teu nome é Clara?
- Quem quer saber? - perguntei cruzando meus braços
- Chefe tá te chamando - semicerrei meus olhos encarando ele
- Como você sabe que sou eu? Quem é o chefe? - coçou a cabeça
- Me deram essa missão e me mostraram tua foto - neguei
- Não te conheço, não sei quem tá me chamando - ele pegou o celular - Se quiser falar comigo, manda vir até mim - falei curta e grossa, arregalou os olhos

Voltei andar até a sorveteria, comprei os sabores que a Tati gosta. Assim que paguei, passou um mototáxi, sinalizei pra ele que deu meia volta, subi na moto. 

Quando parei na minha avó, falei o básico com ela e chamei a Tatiana pra ir para casa. Assim que entramos em casa, alguém bateu na porta e buzinou. Dei as bolsas pra Tatiana levar e fui ver quem era. 

- Você de novo? - falei olhando pro menino
- Po novinha, vai ser ruinzão pra mim se tu não ir comigo...

Encostei o portão, entrei e falei com a Tati que já voltaria pra ela não abrir a porta pra ninguém. Saí de casa subindo na garupa dele que foi igual um foguete até um lugar que eu conheço bem. Casa do frente. Olhei pros seguranças e não vi o Rato no meio deles, só segui o menino e entrei na casa. 

Ele estava sentado no sofá com os pés em cima da mesa de centro. Me encostei atrás de uma cadeira e fiquei encarando ele que estava bolando um baseado. 

- Não tenho todo tempo do mundo - falei cortando o silêncio - O que você quer comigo? - perguntei, ele nem acendeu o baseado, deixou em cima da mesa, se ajeitou no sofá e me encarou
- Não sei nem como te passar a visão - coçou a cabeça, franzi minhas sobrancelhas - Vou ser curto mesmo... Sou teu pai - ri
- E eu acredito em fadas - fechou mais a cara - Você, meu pai? - falei rindo fraco
- Tu não vai ser lembrar de mim, tu era muito novinha - neguei
- E tu acha que eu vou acreditar? - levantou e cruzou os braços
- Sou pai da Tatiana também - só conseguia negar e rir de nervoso - Tatiana é nome da minha bisa
- O pai da Tatiana eu conheci - passou a mão no rosto rindo
- Fachada, po - falou voltando a se sentar - Época que ela estava puta comigo, aí botou o arrombado pra dentro da casa de vocês - acendeu o baseado - Do nada ele sumiu, né?
- Matou ele igual fez com minha mãe? - perguntei 

- Não, com tua mãe foi rápido - puxou e prendeu a fumaça - Ele foi todo um esquema para ela não mexer comigo de novo, entendeu? - eu estava imóvel, não sabia nem o que fazer - E é isso...
- Você fala como se fosse a coisa mais normal, né? - me encarava - Isso não vai mudar nada - sentei porque minhas pernas estavam fraca, apoiei os cotovelos no encosto da cadeira colocando minhas mãos no rosto - Como você faz uma coisa dessas? - perguntei
- Qual delas? - revirei os olhos
- Matar a mãe das "suas filhas" - fiz aspas com o dedo, deu de ombros
- Tô ligado em tudo que tu passou na mão dela, tu tinha que me agradecer - ri irônica
- Agradecer? Por matar a pessoa que independente de tudo estava ali por mim e pra Tatiana?! Você só pode ser maluco! - estava incrédula
- Tu não está melhor agora? Nem precisa responder po, tô ligado em tudo...
- Colocou alguém como meu segurança? - perguntei, sorriu - Quem?

- Porra, se tu não sabe quem é, então o cara é foda mesmo - Rato, veio ele na minha cabeça na hora, fiquei tremendo minha perna, não sabia se o que estava rolando é verdade, e se o Rato sabe disso, porque ele não me contou?
- Eu só quero o bem e a segurança de vocês - neguei
- Não quer mesmo - encarei ele com ódio - Se você mandou seus homens me baterem, não é o meu bem que você quer, nem fudendo
- Quem disse que foi eu? - ri me levantando
- Única pessoa que já "bati de frente" dentro dessa favela foi você - ia seguindo para porta e ele me acompanhava com o olhar - E você tem toda a moral para fazer o que quiser com qualquer um aqui dentro, né? E se uma coisa dessas aconteceu nas tuas costas, é melhor tu prestar atenção em quem tá contigo... - abri a porta e ele só me encarava enquanto fumava - Se eu puder te pedir uma coisa - me olhou com olhar esperançoso - Não chegue perto da Tatiana, por favor - abri a porta e saí me tremendo toda - Me leva em casa - falei pro menino que me trouxe

Assim que cheguei em casa, fui direito pro banheiro, tomar um banho gelado. Minha cabeça estava a mil. Minha avó com certeza deve saber de algo. 

Me arrumei rapidinho, Tati já estava arrumada, então só descemos pra comprar algo pra comer. Estava com a cabeça tão longe que nem percebi quando o Rato chegou.
Tínhamos parado num trailer de hambúrguer, Tatiana ainda estava escolhendo o dela e eu nem olhava o Rato que estava conversando com ela.  

- Ou, garota - me chamou, encarei o mesmo - Qual foi? - perguntou, neguei - Dá o papo
- Quer saber mesmo? - assentiu, levantei e segui pro outro lado da rua onde dava pra ver a Tatiana de boas
- Visão - parou do meu lado
- Ia esconder até quando? - franziu a sobrancelha cruzando os braços
- Esconder o que? Tá doidona?
- Que o Naldo é meu pai - coçou a cabeça - Surreal você saber de uma coisa dessas e não ter me contado...
- Po...
- Po o que? - interrompi ele, puta - Não tem nem o que falar, Kauã - me exaltei um pouco falando mais alto, me olhou repreendendo
- Tu queria que eu chegasse em tu e falasse isso?
- Eu acho que é o óbvio, né? - cruzei meus braços ficando de frente pra ele
- Põe uma coisa na tua cabeça, Clara - falou apontando pra cabeça - Eu não te contei para te proteger - ri
- Proteger? Tá de sacanagem? - passou a mão no rosto - O cara sabendo que é meu pai mandou você me dar um susto só por peitar ele...
- Mas aí tu pediu, eu te passei a visão várias vezes
- Foda-se também, já passou...
- Exatamente, e tu tá cheia de pedra na mão pra cima de mim por que?
- Tu se aproximou de mim pra passar as informações da minha vida pra ele - falei mais alto
- Tá viajando...
- Será que estou mesmo? - cruzei meus braços
- Oi, amor - Brenda chegou abraçando ele de lado dando um selinho - Oi, gata. - Sorriu pra mim -

- Oi, Brenda - sorri de lado - Vou ver a Tati...

Voltei para a mesa e sentei. Logo eles saíram de moto. O lanche chegou, nós comemos e voltamos pra casa. Eu ia falar com minha avó, para ter certeza disso, mas não quero encher a cabeça dela hoje, ou falar com ela de forma grossa já que eu tô sem paciência.

Depois que eu te vi [PAUSADA!]Onde histórias criam vida. Descubra agora