Capítulo doze- Alma desgastada

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Existem dois tipos de dor: A que machuca e a que te faz mudar

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Havia despertado com a sensação de dedos ásperos deslizarem pela minha pele nua, o caminho que percorriam era pelas minhas cicatrizes que marcavam o meu corpo, todas com histórias de caçadas ou de brigas de tavernas. Azriel parecia estuda-las e tentava adivinhar como eu havia ganhado cada uma, eu permaneci com os olhos fechados para que não percebe-se que eu havia acordado, mas infelizmente seria impossível fingir por muito tempo, visto que eu comecei a estremecer quando ele tocou em uma listra branca que ficava perto de minha cintura.

- Ganhei essa quando precisei fugir de um venator, consegui sair com vida, mas não sem uma lembrançazinha - divaguei enquanto me virava para ficar de frente ao macho.

Azriel arregalou os olhos quando percebeu que havia me acordado com seus toques, mas logo se acalmou para escutar a minha explicação. Diferente dele, que se sentiria desconfortável em falar de suas cicatrizes que marcavam todas suas mãos e outras espalhadas por sua extensão, não me sentia mal em compartilhar as minhas.

- Você é muito habilidosa para precisar fugir de um. - replicou.

Venator era um animal com uma mistura de leão com escorpião. Sua pelagem era de um tom alaranjado e a juba era mais clara, o rabo era queratinizado com um ferrão na ponta, se não morresse pela mordida ou garras, provavelmente o veneno seria seu convite para a morte. De alguma forma, eu havia sobrevivido através da minha esperteza e raciocínio rápido.

- Não quando você tem onze anos.

Atualmente eu conseguiria abater um venator sozinha, mas com onze anos ainda era impossível! Minha estatura era pequena, o corpo não tinha a preparação para enfrentar uma fera daquele porte e minha maestria em empunhar uma arma não era suficiente para conseguir matá-lo. Fugir era minha única opção, deixei para trás o herbívoro que havia conseguido caçar para o maldito carnívoro e corri pela minha vida, era melhor ficar de barriga vazia do que morrer.

Az pareceu intrigado com minha revelação e traçou mais uma vez seus dígitos por outra cicatriz, na mesma hora comecei a falar sobre a história por trás. Eu sabia que o tempo estava escorrendo e que talvez fossemos treinar, mas o férico parecia fascinado pelas minhas linhas brancas e pela minha abertura em falar sobre elas. Não sentia vergonha delas, afinal eram um lembrete de que se eu vacila-se, poderia morrer como também um aviso que eu poderia continuar vida... Jamais havia descrevido elas com tantos detalhes para alguém, Zeltris já havia perguntado um pouco sobre umas do meu braço, mas eu havia sido vaga e também sua curiosidade se limitou só a àquelas, contudo Azriel parecia querer estudar todas elas, entender suas histórias e absorve-las.

Eu contaria sobre elas, essas eram minhas marcas externas que eu conseguia falar sem problemas, mas quanto as internas...

- Você fala como se tivesse precisado caçar desde cedo. - argumentou.

I Scare myself e find you

Eu olhei para ele, o quanto estava disposto a encarar minhas cicatrizes profundas? Podia ter sido um passado melancólico e passageiro, mas foi o que fez com que eu vivesse com muita amargura e tristeza. Eu tinha sentimentos, sofri por muito tempo, apenas aprendi a erguer escudos sobre o meu coração para que se endurece-se e não volta-se a doer, mas carregar aquele passado por tanto tempo era excruciante, sem ter nenhum apoio e existir com minha própria companhia fazia eu me sentir muito mais apática e dura. Por mais que sorrisse para Zeltris, ao Grã senhor, Cassian ou qualquer outro, não significava que por dentro estava tudo bem! Tudo sempre foi uma tormenta, um mar revolto que fazia às vezes eu perder a lucidez e quase me afogar nos meus próprios pensamentos negativos, houve momentos em que eu simplesmente quis mesmo morrer afogada neles.

Corte de sombras e tormentasOnde histórias criam vida. Descubra agora