1
‒ Paredes altas. Não vai ser fácil entrar nessa fortaleza. Mas eu tenho de tirá-la de lá ‒, disse o homem de cabelos escuros acendendo mais um cigarro enquanto andava no entorno da grande mansão.
‒ Já pensou em algo? ‒ disse o outro homem de cabeça raspada e tatuada que também acende um cigarro.
‒ Tenho algumas ideias. Nada espetacular, quero entrar e sair sem causar alarde.
‒ Eu sei, também estou analisando a rota de fuga.
‒ Kiko, você não precisa se arriscar por mim. Não por isso.
‒ Cara, eu já estaria morto a muito tempo se não fosse você. Te devo uma, e além do mais, você mesmo disse, não é trabalho para um só.
‒ Não, preciso de cobertura aqui fora. Alguma ideia?
Kiko fez que sim com a cabeça molhada pela leve chuva. Eles seguiram por um tempo e chegaram a uma pequena praia.
‒ A casa tem muros altos, mas é próxima da praia. Não há barcos por aqui, posso esconder um e podemos fugir por ele.
‒ Faremos como diz. Vou caçar algo para comer. Providencie tudo. Nós nos vemos no alto do morro do pardal.
‒ Certo, vou mexer com meus contatos.
‒ Seja discreto, Kiko e obrigado.
‒ Saulo, se não fosse você, eu não teria sobrevivido ao Martinelli nos anos 60. Você me tirou daquele fosso. Se não fosse isso, o maldito troll teria roído meus ossos; ou coisa pior.
‒ Sim, verdade. Acredito que encontrei meu jantar. ‒ Saulo olhava para um carro parado do outro lado da rua com um casal dentro.
Kiko observou o homem começar a se misturar com a fumaça de seu cigarro, logo se transformando em uma nuvem de fumaça e nevoa.
2
Três noites atrás, em clube de uma cidade do interior. Música alta, luzes vermelhas e negras, fumaça. Saulo estava de passagem. Olhava as pessoas a sua volta, procurando sua próxima vítima. Então ele viu, por entre as pessoas, um rosto belo, um rosto misticamente belo, um rosto conhecido.
‒ Claudia?! ‒ Saulo se perguntou confuso. A visão havia se perdido no meio das pessoas. Mas ele tinha certeza de uma coisa: Claudia olhava direto para seus olhos. E neles, ela trazia lágrimas. Algo ali estava muito errado. A fumaça começou a se condensar, a se espalhar e a envolver todos a sua volta.
A fumaça cada vez mais se espalhava, não era possível ver nada além dela; não era possível sentir nenhum cheiro além do fumo queimado, das essências doces dos cigarros eletrônicos, e dos perfumes baratos ao seu redor. Alguém o abraçou.
‒ Saulo! Preciso que me ajude.
A mulher que olhava o rosto do vampiro era sobrenaturalmente linda. Sua maquiagem estava borrada pelas lágrimas. Olhando de perto, ele podia ver as marcas de golpes recebidos pelo seu rosto: os cortes e arranhões; ainda assim, sua beleza era assombrosa.
Ele a abraçou, sabia que aquilo lá não era real. Não via Claudia a mais de cinquenta anos. Mesmo assim, o sentimento em seu peito estava vivo, mais vivo que a maldita sobrevida que teimava em viver.
‒ Claudia, é impossível, você só poderia me contactar assim se estivesse... ‒ As palavras se recusaram a sair de sua boca. Mas a ninfa de cabelos verdes claros completou.
‒ Eu estou morta. Não posso mais protegê-la. Você deve salvá-la.
‒ Quem fez isso com você? ‒ Saulo sentiu o ódio crescer em seu peito e quase perdeu o contato.