Runaway

1 0 0
                                    

O celular tocou Runaway pela milésima vez.

O som da música da banda M83 - a minha favorita - voltou a se propagar no quarto, ficando mais e mais alto cada vez mais que o meu celular tremia. Minha mente que estava mergulhada em um sono profundo e gostoso, é arremessada com força de volta a realidade castigante com o barulho. A me acordou.

De novo. Mais uma madrugada.

Tateio os cobertores em busca do aparelho, com os olhos cemicerrados. Sinto minha boca seca. Estou morrendo de sono. Tento o mínimo de esforço para fazer o barulho parar, mas acabo deixando meu celular cair no chão e pelo barulho; se espatifar. "Puta merda..." praguejo baixinho, sem ânimo nenhum. Com o celular no chão, terei que fazer algo terrível: acordar de verdade e me levantar para pegá-lo de volta.

E infelizmente, é exatamente isso que eu faço. Tiro a grande coberta sobre mim, calço meus chinelos que estavam cuidadosamente posicionados de frente para minha cama, e procuro saber que horas são. 4:32 da manhã, o despertador de cabeceira mostra. Grunho ao fazer esforço de levantar da cama, e pego de volta irritada meu celular para silenciá-lo de vez. Ou melhor: atendê-lo de vez.

Atender ele de novo na madrugada, como quase toda sou obrigada a atender.

— Alô? — Digo, esfregando os olhos e com a voz bem rouca.

Não tenho tempo nem de afastar o celular do ouvido antes que a voz alta e estridente perfure meus ouvidos.

— VOCÊ NÃO VAI ACREDITAR NO QUE O CANALHA FEZ DESTA VEZ!!! EU VOU MATAR ELE, JUNE! DESTA VEZ EU JURO QUE O MATO DE VERDADE!!! — Ele grita, e posso ouvir um barulho de molho de chaves e sua respiração ofegante, como se tivesse acabado de sair de uma corrida olímpica. Ou de uma luta.

Afasta o celular por um segundo. Suspiro. Sou obrigada a tolerar.

— Shun... — O chamo, calmamente.

— Estou subindo. — Ele simplesmente avisa, e desliga o telefone.

Não ha tempo para fazer nada. Chuto os chinelos para debaixo da cama, e cruzo os braços, esperando ele entrar em casa. Não demora três minutos e escuto a porta do meu apartamento ser aberta, alguns poucos barulhos da tranca e a luz ser acesa.

Em seguida, um rapaz bonito e de cabelos longos, castanhos e desgranhados e olhos azuis surge no meu quarto com uma expressão cansada. Ele está a beira de outro colapso.

Ele nada diz. Apenas joga as suas chaves em um ponto qualquer do quarto, tira com violência a camiseta suada que estava grudada ao corpo sem ver aonde, e simplesmente se joga de frente na minha cama, agarrando o travesseiro mais próximo. Ele começa a soluçar devagar. Me sinto mal.

Não aguento ter que passar por isso todo sábado à noite. Mesmo assim, fecho os olhos e repito meu processo de sempre quando as crises dele explode: sento-me na cama, e afago seus cabelos devagar, como se isso fosse acalmar um pouco as coisas.

Não contenho uma bufada de decepção para ele.

— Eu pensei que tínhamos conversado sobre se meter em encrencas na última vez, Shun... — Digo, com um tom severo na voz.

Ele não me responde. Permanece imóvel, deitado de costas para mim na minha cama. Ouço apenas uns grunhidos baixinhos dele, mas não entendo uma palavra.

Droga. Porque sempre eu? Porque não Marin, Shaina ou qualquer um das outras meninas? Não... eu sei, eu sei. Como melhor amiga, tenho a obrigação de consolá-lo, de dar a bronca, de cuidar dele. Porque Shun é irresponsável demais para fazer essas coisas sozinho.

Como se ele fosse me ouvir. Meus olhos ainda estão pesados de sono, mas não desisto assim tão facilmente de arrancar uma explicação dele. Paro subitamente o carinho em seus cabelos, e ele se remexe inquieto imediatamente.

Quando Eu DespertarOnde histórias criam vida. Descubra agora