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Harry (O caçador)

Visceral

Noura Pierce tem peculiaridades. Gostos e desgostos. Medos. Todos os pequenos detalhes intrincados que compõem sua personalidade. E amo dissecá-la. Ela usa óculos em vez de lentes de contato. Ela não pinta as unhas. Ela sempre deixa um botão irritante aberto em sua blusa. Ela faz ondas em seus cabelos chocolate e curtos acima dos ombros. Usa sempre o mesmo anel, sempre no dedo mindinho. Ela cruza as pernas. Principalmente quando falamos de minhas realizações, então eu a vejo cruzar aquelas longas pernas de uma forma bem apertada. Ela gosta de confusão. Seus sorrisos são raros. Sua aprovação é ainda mais difícil de ganhar. Ela sofre de dores nas costas devido a alguns ferimentos, mas finge que isso não a afeta.

Mas a coisa mais interessante sobre minha psicóloga é esta: eu a deixo curiosa. Não em um sentido profissional – embora eu tenha certeza de que foi assim que tudo começou, uma pequena chama surgiu – mas a curiosidade profunda e assustadora. O tipo de curiosidade que deixa as boas meninas más. Eu adoraria emaranhar ela em minha teia e banquetear-me com ela.

— O que você vê? — Dedos macios e finos espreitam na borda de uma placa. Na frente, uma mancha de tinta preta e vermelha salpica contra o branco.

Você. Vejo você — Vejo uma borboleta.

Noura abaixa, sua expressão ilegível. Pelo menos, ela se esforça para ser neutra. Mas eu vislumbro a irritação por trás de sua máscara.

Está desesperada para me desvendar. Mexa dentro da minha cabeça gatinha. Uma semana juntos e ela ainda não entendeu. Não há nada a ser encontrado. Não estou aqui para resolver minhas tendências psicóticas. Para ser reabilitado com a esperança de reingressar na sociedade. Estou aqui por ela.

— Você gosta de jogos? — ela pergunta, colocando a pilha de respingos de tinta de lado. Um sorriso surge em meus lábios. Eu gosto de jogar com ela.

— Depende do jogo.

— Você vê nosso tempo juntos como um jogo?

Perguntas. Sempre perguntas enfadonhas com ela. Recusando-se a me deixar entrar em sua cabeça. Ajusto meus pés, o guizo das algemas soando alto na sala. Não respondo. Sua testa se enruga.

— Você sente que não estou comprometida com o seu tratamento?

— Não. — eu digo, sentando para frente, tanto quanto minhas correntes permitem. — Eu sinto que você está muito comprometida. Apenas com a coisa errada. Acredita que a reabilitação é possível?

Seus olhos cor de mel piscam por trás dos óculos.

— Não vou mentir para você, Harry. Eu tenho minhas dúvidas. Mas não saberemos se é uma possibilidade para você, a menos que leve nosso tempo juntos a sério.

— Gosto quando você responde às minhas perguntas.

Ela tenta esconder um sorriso. Cruza as pernas. Eu inalo uma respiração profunda.

— Minhas respostas não vão te ajudar.

— Como você sabe? — Suas mãos vão para o colo. Ela mantém o olhar fixo em mim, mas vejo uma necessidade ansiosa. Ela esconde bem, quase tão bem quanto esconde a tatuagem em sua mão. — Você disse que tinha dúvidas, — digo, mantendo a conversa aberta. — Mas e se não for dúvida. E se não quiser que a reabilitação funcione?

Sua boca se abre. Antes que ela possa deixar escapar uma réplica experiente, me pergunta.

— Por que eu não gostaria que funcionasse? — Encolho os ombros enquanto relaxo na cadeira.

The Huntsman | H.SOnde histórias criam vida. Descubra agora