🩸: e assim nasce um vampiro

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Foram para o terraço do hotel e se sentaram na beirada com as pernas ao ar.

Havia algo estranho no ar. Entre eles. Frank não sabia explicar.

O céu ainda estava um pouco avermelhado, com o sol descendo na planície. Se olhasse com atenção ainda veria veias saltando do corpo do vampiro, como tintas implodidas dentro de sua pele.

"Vai doer?" Perguntou, massageando o pescoço levemente. Gerard olhava aquilo de uma maneira engraçada, Frank imaginou que para ele fosse como assistir o gato se esticar antes de ser comido pelo leão.

Ele deu de ombros. "Não é uma coisa que eu faço o tempo todo, você sabe, transformar pessoas."

"Se me permite perguntar, doeu quando aconteceu com você?"

O vampiro ficou pensativo, buscando por memórias antigas de anos que não caberiam nos dedos dos pés e das mãos, mesmo se contasse 20 vezes. Anos que em nada se pareciam com a modernidade apressada e indiferente que eles viviam agora.

Não se sentia intrometido ao questionar-se que tipo de pessoa aquela criatura um dia fora, quando podia andar ao sol e comer numa mesa cheia de pessoas, viver, rir, conversar entre humanos sem o temor de ser descoberto, de ter sua máscara destruída e queimada numa fogueira cercada por pessoas furiosas e clamantes de vingança.

"Luzes. Pessoas." Ele começou. "Foi no meio de uma grande procissão. O vampiro que fez isso, que me transformou, me puxou para um beco escuro. Para ser honesto não me lembro de nada. Quando acordei, dormia sobre uma poça de sangue, meu sangue." Gerard esticou os lábios para o lado e franziu a sobrancelha, estava sério e concentrado. "Descobri depois que tinha sido mordido. E que o ritual havia sido feito comigo ainda inconsciente. Ele derramou gotas de seu sangue em minha boca e elas desceram pela minha garganta retirando de mim qualquer sinal de humanidade."

Frank havia lido sobre isso, a ferocidade dos vampiros famintos. Como eles eram capazes de qualquer coisa para obter sangue humano. Como alguns deles até mesmo criavam outros iguais, caso gostassem de suas aparências.

Claro que, nesta leitura, ficava implícito que ele como caçador de vampiros deveria matá-los sem misericórdia. Abate-los como os animais selvagens que eram.

"A maioria de vocês nasce de um trauma." Frank refletiu, fitando os últimos sinais do sol desaparecerem completamente para dar lugar à um roxo escarlate quase preto no céu. "Anne Rice escreveu isso em Entrevista Com O Vampiro"

"Anne Rice..." O vampiro sorriu como se um nome conhecido tivesse sido dito. "Ela não mentiu. Nem exagerou nessa parte."

"Eu não me sinto traumatizado." Frank disse de repente, e riu de si mesmo na mesma hora. "Digo, agora, eu não me sinto traumatizado. Acho que atingimos um ponto de consentimento."

Gerard esticou a mão para tocar seu pescoço, especificamente sua coleira de spikes. Ele notou que o ferro era pontudo de verdade, pois espetou a ponta do dedo e sorriu com isso, para a confusão do humano, que observou uma pequena gotícula de sangue emergir do dedo do vampiro, e logo em seguida ser chupada. "Me permitiria usar seu colar um tanto quanto perigoso para cortar meu pulso?"

Embora fosse estranho, Frank desabotoou o colar e o entregou nas mãos dele. Só queria que aquilo tivesse um fim breve. "Eu tenho uma pergunta, antes de você fazer o que vai fazer."

"O que é?" O vampiro lhe olhou com cuidado, como se toda a sua atenção estivesse voltada para Frank e mais nada naquele mundo gigante.

"Quando você disse que acordou coberto de sangue, você quis dizer que..."

"Quis dizer que todo o sangue que havia em meu corpo vazou por todas as aberturas em mim, e assim que acordei, feito uma fera, devorei a primeira pessoa que vi." Ele olhou para longe por um único segundo e voltou o olhar para o humano com firmeza. "Isso é história pra outra hora. Eu ainda tenho muita coisa pra te contar, humano. Mas agora, só quero que seja um dos meus." E ele disse aquilo com tanta clareza e educação, que Frank não pôde resistir a tentação.

Inclinou o pescoço de modo a ficar visível e fechou os olhos, aquele era seu 'sim' mais enfático, embora assustado, seu coração batia fortemente. E o vampiro entendeu os sinais. Nada mais precisou ser dito.

A picada veio gentil, com o braço do vampiro rondando sua cintura. Seus braços se agarraram a ele fortemente. E então nada mais. Não havia dor. Ou medo. Apenas a sensação de dentes pontudos e afiados sugando seu sangue em quantidades espessas.

Seus olhos se arregalaram como os de uma corça arrebatada, sua boca entreaberta buscando por um ar que parecia nunca vir, estava tonto, notou. Sua visão escurecia aos poucos, e o vampiro o segurava mais forte do que nunca, pois seus membros estavam moles como gelatina. Não tentou lutar, não abusou de seu instinto de sobrevivência, deixou-se ser tomado como era para ser.

Naquele instante, algo pulsou em si, poderia ser seu coração, ele não sabia, apenas havia uma necessidade desconhecida, voraz e lívida em seu âmago. Algo que que uma criatura na terra raramente sentia atrelada ao seu corpo. Era o pulso do vampiro, aberto e firme em seus lábios, esperando para ser abocanhado, o que aconteceu em menos de um segundo. Sua fome se mostrou monstruosa e mordaz.

Tudo mudou.

Tudo mudou desesperadamente.

O sangue no corpo de Gerard, que nem mesmo era seu, misturado com seu veneno imortal lhe deram uma vida que nem mesmo ele havia começado a compreender ainda.

Como muitas vezes antes, sentiu-se prestes a desmaiar, mas não de uma maneira patética, fraca, inútil. Dessa vez estava nos braços dele.

Seus olhos pretos de desejo por sangue, seus lábios manchados de vermelho, sua expressão celestial, como um anjo caído em sofrimento perpétuo na Terra, aquela imagem foi sua última visão enquanto humano. Como numa ilusão perfeita e mística, o vampiro se afastou, cada vez mais. Até ser apenas um borrão num quadro perfeito de fim de tarde - início de noite.

Algo estava diferente. Terrivelmente diferente entre eles.

"Agora, você será um de nós. Agora, você verá como é estar na posição de quem é caçado. De quem não tem paz. Filho de caçador. E caçador, meu fardo será passado para você como um castigo, que a vida após a morte lhe tire tudo que você tirou de muitos. Que la malchance t'accompagne, imbécile" O vampiro disse, frio como gelo. Aquelas palavras atravessaram seu peito como lanças de ferro. Era aquilo, o fim de sua miserável vida humana. Um erro. Uma enganação. Como pôde ser tão estúpido ao acreditar naquele vampiro e em sua bondade. A vida era cruel, e seus olhos se fechavam para ela. Quando acordasse, já seria tarde demais. "Como ousa pensar que eu caminharia à terra com alguém como você." Aquelas palavras finais, tão árduas, fecharam seus olhos pesados numa única lágrima, que desceu por seu pescoço numa moção triste. O fim, tão lento e mirabolante, o deixou desacordado e leve nos braços do vampiro, que o largou exatamente onde ele estava, antes de partir para sempre, onde sua visão escurecida já não alcançava.

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creio que daqui em diante será enemies to lovers, meu gênero favorito ;)

my sweet vampire † frerardOnde histórias criam vida. Descubra agora