A Sargento

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O corpo dela foi encontrado às 4 da manhã.

Era o quinto desde que o assassino começou. Marcela sentiu os calafrios subirem ao olhar as fotos. Todos foram encontrados da mesma forma, mas ela nunca se acostumava.

A pior parte era arquivar as fotos dos cadáveres junto com as das vítimas quando vivas. Todas eram tão novas.

Ao menos não tinha mais dificuldades para dormir, nem vomitava com os casos mais violentos, como acontecera nos seus primeiros meses como escrivã.

Uma coisa era simular casos durante os treinamentos, ou mesmo estudar casos reais com os quais não estava envolvida, outra era vivê-los todos os dias. Não era nem de perto a mesma coisa, e ela demorou a se acostumar.

Suas mãos tremeram, mas seus cigarros foram deixados em casa de propósito. Se quisesse mesmo parar, esse era o mínimo que deveria fazer para começar. Sacudiu-as para diminuir o tremor e olhou o relógio.

Oito e cinquenta da noite. Mais algumas horas extras que ganhara de presente do maníaco. Mas por ora, era mais que o suficiente.

Seus colegas já tinham alguns candidatos para cumprir a pena no lugar do culpado, e ela tinha um encontro naquela noite.

Ele checou a hora no celular. Dez e quarenta e três. Ela estava atrasada novamente.

Enquanto Raoni abria o jogo que tinha instalado, ouviu um carro se aproximar.

― Oi, meu bem! Me desculpa o atraso, tive que fazer hora extra de novo. ― a moça deu um sorriso sem graça e destravou a porta do passageiro.

― Se quiser que eu te desculpe, vai ter que usar a boca pra outra coisa em vez de falar. ― ele deu um sorriso de canto e encostou seus lábios nos dela.

Ela sorriu com um leve interesse, voltou os olhos para a rua e ligou o GPS.

Enquanto dirigia, fechou as janelas e indicou o porta luvas para o rapaz, sem tirar a atenção do trânsito de sexta à noite.

Ele abriu e pegou o celular que tinha lá dentro. Abriu programas que ela sequer sabia que existiam e começou a digitar nele com a mão esquerda. A direita fazia algo parecido, mas no celular que ele trouxe consigo. O jeito como ele dividia a atenção entre os dois lhe lembrava a si mesma quando redigia um caso com dois ou três autos diferentes abertos ao mesmo tempo.

― Tudo limpo. ― ele disse por fim, devolvendo o celular ao porta luvas.

― Eu disse que eles não fariam isso comigo. Pra eles, eu sou da mesma laia do delegado.

― Tecnicamente você é, assim como eu. A diferença é que a gente tem objetivos diferentes dele.

― Pode ser... ― fez uma pausa e suspirou ― Então não tem problema perguntar sobre o meu pagamento?

― Deixa pra quando a gente chegar. Ou você é descuidada assim pra aceitar a propina deles também?

Ela não respondeu.

Queria desmenti-lo, mas não conseguia. Sempre tentava convencer a si mesma que a palavra "propina" não existia para si, mas há tempos seus esforços não surtiam mais efeito.

Por sorte, o motel estava próximo.

Na recepção, quis pedir um período de duas horas, mas o rapaz insistiu em pelo menos três.

Não lhe agradava a ideia de ficar até a madrugada matando tempo com ele, mas agradava menos ainda a de discutir na frente da recepcionista.

Ao chegarem no quarto, Raoni ligou a câmera e a lanterna do celular antes de acender a luz. Usou-a para esquadrinhar o quarto escuro, em especial os espelhos.

A SargentoOnde histórias criam vida. Descubra agora