SEXTA-FEIRA, 13

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Sexta-feira, 13 é o dia perfeito pra ser insignificante. 

Ou no mínimo refletir sobre isso. 

As pessoas estão ocupadas demais com crendices que ninguém nem sabe de onde vieram pra ligar pra qualquer coisa que venha de você. Seja pra blusa de lã garimpada do armário da vó que você tanto gosta de vestir mas não tem uma estampa moderna, seja pro posicionamento político construído a partir de muitos anos de reflexão, estudos sociológicos e dedicação.

Ok, pode ser que comentem sobre o seu carro novo ou sobre o seu casamento, mas ninguém liga pro que você é de verdade. Pode doer, mas ninguém liga pra você. Ninguém quer nem saber se sua geléia favorita mudou o rótulo e isso fez você dar umas voltas no corredor do mercado pra achar. Ou se você detesta cheiro de casca de limão por causa daquele namoradinho da faculdade. A grande verdade é que a maioria das pessoas se habituou à superficialidade. Ninguém vai mais fundo que a primeira colherada de um mousse aerado de chocolate servido num ramequim caro e pequeno.

E isso deveria ser libertador. Ou no mínimo criar um certo alívio, afinal, a obrigação de agradar nunca existiu. Não dá pra desconsiderar algumas convenções sociais a fim de evitar estresse, como política da boa vizinhança, diplomacia corporativa, passivo-agressividade, sarcasmo intelectual e por aí vai. Isso economiza horas de terapia resolutiva. A questão é que existe um prazer descomunal em ser desimportante e nem todo mundo percebeu. E pasme, eu mesma descobri isso numa sexta-feira, 13. 

Eu nem queria ir àquele dito jantar. Não queria sorrir, não queria manifestar minhas opiniões (até porque sabia que mais ninguém ali compartilharia delas ou sequer refletiria por uns 3 segundos antes de discordar completamente baseados em citações de um filósofo falido que pondera sobre umas temáticas aleatórias na internet). Eu estava sem paciência pra lidar com discordâncias e mesmo assim fui ao jantar. Entrei em silêncio, e o máximo de interação que consegui entregar foi uma contração estranha no lábio que eu posso jurar que deveria ser um sorriso. Cumprimentei três ou quatro pessoas antes de me recolher à quietude da bolha da minha cadeira. "E se eu simplesmente não fizer?", foi o que me ocorreu quando comecei a passar o checklist de tudo o que teria que fazer contra minha própria vontade pra aparentar contentamento. Aparentei nada, e adivinhem só? Ninguém percebeu. Porque, felizmente, eu não sou o centro do universo.

Naquela noite eu dirigi pra casa rindo como uma psicopata. Não existem palavras pra descrever o deleite que é ser insignificante. As coisas deixam de ser sobre você e passam a ser apenas as coisas que são. O sentimento é muito semelhante ao de usar o cancelamento de ruídos dos AirPods pela primeira vez. É como o primeiro gole do seu vinho preferido, ou a primeira garfada daquele bolo que só aquela unidade daquela franquia de padaria naquele bairro específico pode ter. Quando você experimenta a insignificância, começa o debate mental e a primeira tarefa é a aceitação. Aceitar o que você é e as coisas como são. A partir daí, você descobre o quão maravilhoso é observar os eventos e não estar conectada a eles. Um grande peso se desprende de você quando você entende que o mundo não gira ao seu redor. Aos poucos, você abandona algumas crenças, alguns hábitos, algumas inibições, porque, no fim das contas, nem importa.

Numa noite convencionalmente de azar, eu pisei em todas as linhas do chão, passei embaixo de umas três escadas, fiz careta pra um vidro que estava rachado e encontrei um gatinho preto na porta quando cheguei em casa. Eu dei a sorte de ver tudo isso numa noite só. E descobri que a maior sorte da minha vida é não ser "isso tudo". 

O QUE ME OCORRE NO BANHO DO FIM DO DIAOnde histórias criam vida. Descubra agora