Por que você não vê?

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          Pelos gritos no quarto ao lado, Nancy devia estar no telefone com o namorado. Eles estavam em uma festa dos amigos dele e pelo visto ele fez uma daquelas piadas patetas, que ela não gostou. O Robert tem um humor único, um dia fez uma piada sobre canibal e ansiedade e eu ri igual uma idiota daquela piada tão problemática. Eu o conheço há muito tempo e o humor dele sempre foi meio quebrado mas eu o vejo, eu entendo que ele faz na inocência, não para ofender alguém. Como ela se diz namorada dele sendo que não entende o humor dele e se ofende com trocadilhos? Parece até que ela quer que ele se adapte a ela.

          Como qualquer terça-feira à noite, eu estava sozinha no meu quarto ouvindo aquela música do Bon Jovi que o Robert adora. Pouquíssimo tempo depois, Nancy veio até meu quarto reclamando que não gosta da música e mandando eu tirar. Assim que ela virou as costas, só de raiva, aumentei o volume da caixa de som e pude ouvir ela bater a porta do apartamento com força. O Robert sempre foi apaixonado por essa música e foi quem me apresentou. Aposto que a Nancy só odeia essa música porque não sabe o quanto é importante para você. Ela não conhece sua história como eu conheço.

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          Na sexta-feira, haveria jogo do time de futebol da nossa universidade. Ambos estariam lá e o Robert me convidou para ir vê-lo jogar, disse que significava muito para ele que eu estivesse no último jogo da temporada porque fui quem mais o apoiou quando ele decidiu entrar para o time. E é claro que eu aceitei ir, tinha que estar lá torcendo por ele com toda força e ânimo. Quando saí do quarto, lá estavam ele e a Nancy me esperando. Sempre fiquei admirada com a visão dele usando o moletom da universidade mas a cada dia que se passava, ele parecia ficar ainda melhor naquela roupa. Olhei para Nancy e ela estava lá parada com uma saia que mal mal tampava o necessário, como sempre usava, mas dessa vez combinando com o cropped que continha as cores da universidade. 

          O jogo foi incrível e o Robert arrasou em todos os movimentos. Ele era o capitão do time e levou nossa universidade à vitória, fechando a temporada com chave de ouro. Enquanto o jogo acontecia, Nancy estava lá com sua minissaia levando a plateia à loucura como capitã das líderes de torcida. Já eu, estava lá na arquibancada com minha calça skinny e minha melhor camiseta dos Beatles, torcendo por ele com a minha alma e vibrando a cada ponto que o Robert marcava. Quando o jogo terminou e nossa universidade recebeu o troféu, Nancy correu para os braços do Robert e o beijou para que todos pudessem ver o quanto o relacionamento deles (não) era perfeito. Depois do beijo, quando os olhos dele encontraram os meus, ele piscou pra mim sorrindo e eu sorri de volta, sonhando com o dia em que ele ia acordar pra vida e perceber que o que ele procurava entre tantas garotas esteve ali o tempo todo.

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          Estávamos andando pelas ruas de braços dados a caminho da pracinha que sempre frequentamos. Robert usava os jeans surrados que ganhara do pai aos 15 anos mas que só conseguiu usar depois que ganhou o corpo sarado de atleta na faculdade. Ao chegarmos na praça nós caminhamos um pouco, tomamos o mesmo sorvete de baunilha de sempre e nos sentamos. Ali sentados, ele me contava os piores trocadilhos do mundo pra me fazer rir e vice-versa. Enquanto a gente gargalhava, eu só conseguia pensar em como estar ali, me divertindo, estando feliz, com ele, era fácil.

          Quando escureceu um pouco, nós decidimos voltar para o dormitório porque eu tinha que terminar um trabalho naquela noite. A caminho dos nossos prédios, ele comentou que tinha mais uma festa para ir no fim de semana e me convidou para ir junto dele e da Nancy. Eu disse que era melhor não porque não queria causar problema pra ele mas ele me repreendeu me dizendo que a minha presença era justamente o que ia tirar ele dos problemas. Eu não pude negar, sempre estive do lado dele e não era agora que eu ia sair. Quando eu disse sim, ele me abraçou apertado e, quando me colocou no chão, ele sorriu. Um sorriso tão lindo e sincero que podia iluminar toda a cidade naquele início de noite. Um sorriso que eu não via desde que a Nancy o derrubou com todo aquele narcisismo e possessão, que o afastava de quase todo mundo, quando começaram a sair. Ele sempre dizia estar bem mas eu o conhecia melhor que isso, além de dividir um apartamento com o monstro que ele chamava de namorada. O que ele, que era tão incrível, estava fazendo com uma garota como aquela?

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          Na festa, atraímos o olhar de todos por se tratar de duas pessoas populares da nossa universidade. Robert usava uma roupa simples, que nele parecia a coisa mais elegante do universo, e Nancy usava um vestido curto com salto alto, que deixava ela quase maior que o namorado. Logo na porta, eles foram recebidos pelos caras do time e suas namoradas, todas da equipe de torcida. enquanto eu fiquei em um canto. Durante todo o tempo, eu fiquei olhando para ele, que várias vezes me olhou e sorriu. Alguém percebeu que ele estava distante, dizendo que ele não queria estar ali naquele meio e insinuando que ele e a Nancy estavam brigados. Como a Nancy não podia suportar a ideia de que as pessoas descobrissem que o relacionamento perfeito deles era fachada, rapidamente ela o beijou de forma agressiva e arranhou o pescoço dele. A galera foi á loucura e ela parou o beijo, satisfeita. Meu olhar encontrou com o dele por um segundo antes que ele voltasse a atenção dele ao grupo, e eu sonhei com o dia em que ele sairia daquele inferno. O dia em que ele acordaria pra vida e perceberia que o que ele procurou, e não encontrou, esteve ali o tempo todo.

          Naquela noite depois da festa, eu me lembro de ouvir as batidas na porta e de estranhar porque a Nancy não dormia em casa quando eles brigavam, fora o fato dela ter as chaves do apartamento. Quando abri a porta lá estava Robert, no meio da noite, me pedindo abrigo após dirigir até lá. Eu vi que ele estava esgotado, então, logo puxei o mesmo pra dentro e fechei a porta. O levei até o sofá, me sentei ao seu lado e comecei a fazer trocadilhos. Eu era a única pessoa capaz de fazê-lo rir, mesmo que ele estivesse prestes a chorar. Ele sempre me mostrou as músicas favoritas dele e eu conhecia todos os sonhos dele, sabia bem como distraí-lo. Sempre soube onde era o lugar dele e também sabia que era comigo.

          "Você não vê que eu sou a única que te entende? Eu estive aqui o tempo todo, então, por que você não vê que é meu?", era o que eu pensava enquanto via aquele sorriso triste e os olhos verdes cansados me encarando.

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          Após um tempinho distraindo o Robert, peguei o carro dele e o levei até a casa dos pais. Como porta dos fundos sempre ficava destrancada, entramos por ali pra não acordar ninguém. Ele me agradeceu por eu ter levado ele até em casa e disse que eu transformei uma noite horrível na noite mais mágica da vida dele. Fiquei parada na porta dos fundos da casa e esperei até ter certeza de que ele já havia entrado no quarto. Quando ouvi a porta do quarto fechar, encostei a porta dos fundos e fui para a casa dos meus pais.

          Ao entrar na casa ao lado, fui para o meu quarto e quando olhei pela janela, ele já estava na janela dele. Peguei um papel, escrevi "Você tá legal?" e mostrei pra ele. Ele sorriu, escreveu e me mostrou o papel, escrito "Cansado de drama". Pensei em escrever "Eu te amo" em outro papel mas ele fecharia a cortina antes.

          "Depois de todo esse tempo, como você poderia não saber que é meu... Você, talvez, já tenha pensado em mim e dito 'você é minha'? Porque eu sempre soube que você é meu", foi meu último pensamento naquela noite.

Por que você não vê? (OneShot)Onde histórias criam vida. Descubra agora