Enquanto cavalgava um pouco atrás de Ethos, o encarei de esguelha. Se ele tinha acreditado que misteriosamente sua espada apareceu na sala particular onde passávamos tempo, vez ou outra, apenas jogados nos divas conversando sobre coisas triviais ou não... Bom, não parecia também que ele não tivesse acreditando já que vez ou outra ele a esquecia ali.
O cheiro de peixe fresco subiu no ar, junto com o barulho dos mercadores em suas barracas à margem do cais, com grandes barcos ancorados, suas enormes velas fechadas, deixando de visitantes, pescadores, e aldeões fizesse uma grande mistura abarrotada e risonha procurando por especiarias.
As pessoas que nos reconheciam, curvaram levemente a cabe em reverência, em silêncio, apenas nos deixando seguir — para onde é que Ethos estivesse nos levando — sem que qualquer estardalhaço fosse feito.
Mas meus olhos ainda estavam nos barcos. Observando as gaivotas sobrevoando entre os mastros. Eu vi um pescador, um homem contente soltando as redes no convés de seu pequeno barco, um dos menores ali, mas que aparentemente tinha feito uma boa pesca. Sua calça esfarrapada bege estava dobrada até abaixo dos joelhos, e a manga de sua camisa encardida dobrada até acima dos cotovelos.
— Bela pescaria hoje de manhã, Larry! — Ethos gritou, seus olhos pareciam sorrir, mesmo que em sua boca houvesse apenas uma fina linha curva que pudesse dizer que ele estava de bom humor.
Larry, era como se chamava o pescador. E ao ouvir seu nome, se virou, e logo abriu um largo sorriso e acenou para nós.
— Realmente foi um dia de bonança, alteza! – ele gritou contente do convés de seu barco, se abaixando de repente, escolhendo alguns peixes dos mais grandes – Leve alteza! Gostaria de presentear o rei e as altezas.
— Pegue Lucien. – Ethos disse baixo me olhando por cima do ombro. Arqueio as sobrancelhas, descendo de meu cavalo, batendo as botas firmes no chão.
. Subi quase correndo a rampa até o convés do barco, notando que era mais amplo do que podia se perceber do lado de fora. O convés estava repleto de peixes, e o chão parecia escorregadio. O pescador aparentava estar com seus cinquenta anos, a barba era farta e negra, aparada e alguns fios grisalhos, assim como nas laterais de sua cabeça. Ele não era muito forte, mas e nem muito alto, mas parecia cheio de energia. Ele me estendeu uma fina corda que tinha amarrado os dois peixes pela boca e eu a segurei com firmeza, mas quase caí para frente pelo peso. Ele riu rouco, seu peito sacudindo e fez uma reverência ao curvar o corpo.
— É um belo barco! Não têm medo das tempestades? – perguntei intrigado, me esquecendo por um momento que Ethos ainda estava esperando meu retorno para seguirmos caminho.
— Um pescador como eu já não teme o oceano nem mesmo nas suas mais cruéis tempestades. Se um dia o príncipe quiser vir a bordo para velejar, ficarei honrado.
O dei um sorriso largo, obviamente eu me lembraria de seu convite mais tarde, em um dia quente e entediante, onde eu fugiria da corte à procura de aventura.
— Pois não farei desfeita. – disse convicto acenando. – Obrigado pelos peixes, Larry! Que a mãe o abençoe em suas pescarias.
Ele abaixou a cabeça aceitando minhas palavras, e saltei para fora, correndo para o cais enquanto os peixes batiam um no outro a cada passo. Os prendi ao lado de minha sela, e subi apressado. Ethos acenou um adeus singelo com um inclinar de cabeça e fez seu cavalo caminhar.
— Você conhece tanta gente. – murmurei pensativo, fazendo meu cavalo parear ao seu e Ethos me olhou de soslaio.
— É as vantagens de se aventurar por aí. Já pesquei com Larry. O homem é um dos melhores marinheiros que já conheci.
— E ele tem alguma filha ou neta para que você tenha se aproximado casualmente?– perguntei cínico, e o nariz de Ethos franziu em desgosto, enquanto ele me olhava baixo a cima.
— Melhor tomar cuidado, antes que eu te surre até que sangre.
Deixei uma risada nasal de desafio escapar.
— E para onde estamos indo? – perguntei desconfiado, o olhando de soslaio. O sol da manhã estava alto, mas a brisa que circulava deixava fresco e agradável para cavalgar. – Não posso me atrasar para as aulas de esgrima ou Sir Quentyn contará ao nosso pai. Não quero ouvir sermões sobre. – bufei rolando meus olhos pela paisagem.
— E pela sua reação, você já ouviu alguns deles! Seja mais comprometido, Lucien! Saber lutar pode salvar sua vida um dia! E como príncipe, faz disso quase um dever.
— Eu sei! Mas Sir Quentyn é um velho muito exigente!
— Sorte sua! Porque se fosse a lhe dar as lições, você sairia chorando!
— Você só é um maldito arrogante temperamental!
Ele me olhou de esguelha, seu rosto vermelho de raiva de minhas palavras. Mas estávamos em público, ele não faria nada contra mim. Sua atenção se desviou abruptamente, seus olhos se tornaram atentos enquanto passávamos perto, mas ainda em uma distância razoável, de dois aldeões falando sobre a vinda de visitantes Thalfryanos.
Ethos desviou os olhos, voltando a encarar a frente, e apertou suavemente as sobrancelhas. Não era difícil de ler meu irmão. E aparentemente, ele não gostava da ideia de visitantes Thalfryanos por algum motivo desconhecido para mim.
— Será que é um cortejo? – perguntei– perguntei baixo – Tylia não parece animada com a ideia.
— Fique com olhos e ouvidos abertos a qualquer assunto que os envolva!
— Não queria que Tylia fosse embora para longe. Eu teria que atravessar o oceano para visita-la.
— Eu também não. – ele soprou como se estivesse chateado com a ideia, ao mesmo tempo que irritado com isso.
— Eu não sei porque Tylia tem que se casar, quando você está solteiro. Ora, será que não há uma única princesa em Thalfry para casarmos você?
— Então eu posso ser mandado para longe?– ele praguejou e empinei o nariz de forma orgulhosa.
— Obviamente! Assim posso ficar com seu quarto para mim. Gosta da vista que ele tem para o jardim e a floresta.
— Mentira! Gosta do meu quarto porque as trepadeiras que sobem pela parede do lado de fora escondem a escada que dá acesso ao jardim, e consequentemente facilita uma fuga!
Resmunguei inaudível. Éramos irmãos de fato.
— Se sabe disso, significava que gosta de usá-la. E não dúvido que suas fugas sejam no meio da noite para correr para os braços das donzelas apaixonadas.
Ethos bufou, irritadiço com minhas provocações. O mercado aberto no cais ficou para trás. As casas da aldeia ficaram ralas até que a paisagem se tornou apenas um caminho de terra batida em meio ao verde da pastagem e árvores altas, de copas exuberantes.
— Não ouço muito de Thalfryanos. – Ethos comentou de repente, quebrando o longo momento de silêncio. – Não sei o que pensar deles. O que me deixa irritado...
— Você está sempre irritado!– protestei e meu irmão suspirou pesadamente rolando seus olhos ao redor.
— Se você não fosse um maldito pestinha que tenta tirar minha paciência a cada cinco minutos, então talvez eu não fosse tão terrivelmente irritado.
— Não jogue a culpa em mim de seu péssimo temperamento! – grunhi e ele esticou os lábios em desgosto.
— O sujo falando do mal lavado. – Ele sussurrou e bufei, torcendo a cara para o lado oposto ao seu.
— E voltando a pergunta inicial, qual você não deu o trabalho de responder... Para onde estamos indo?
— As minas! – Ethos respondeu finalmente, com uma mão pousada sobre a coxa de forma relaxada, enquanto seu corpo sacolejava de um lado a outro pelo caminhar manso de seu cavalo.
Apenas o olhei de soslaio, curioso, mas não ousei perguntar o motivo de nossa visita inusitada as minas do reino. Eu sabia que Ethos foi incumbido de fazer breves inspeções pelo reino, assim como a mim, que a tarefa de ser os ouvidos nos corredores de nossa casa. O que a criadagem falava, era minha responsabilidade ouvir, entender e levar para meu pai.
Prestei atenção no caminho que estávamos seguindo. Por algum motivo, apenas algumas pessoas sabiam onde elas ficavam. Nosso pai costumava alegar que era seu jeito de proteger o que era nosso de olhos gananciosos, e que inimigos não poderiam retirar informações que ninguém detinha.
Deixei que o silêncio caísse novamente, enquanto apreciava o som dos pássaros, a boa sombra, e o sacolejar das copas das árvores.
— Sir Quentyn é velho, mas foi um dos mais fortes guardas pessoais de nosso avô. – Ethos quebrou o silêncio em um sopro e prestei atenção em seu rosto que estava estranhamente calmo, como se ele quisesse realmente apenas me contar uma história. – Dizem que ele lutou na batalhas dos ossos vermelhos no vale do vento urrante.
Meus olhos arregalaram, aquilo foi realmente a muitos anos atrás. Uma história contada por nosso pai de como ele foi coroado.
— Sério?
— Eu acho que sim! Ele também me treinou. Na época ele era um pouco mais intenso em suas lições. Talvez porque fosse um pouco mais jovem. – Ethos deu de ombros – Mas eu odiava o jeito como ele dizia que uma hora alguém ia enfiar um machado em minha cabeça devido ao jeito que eu sorria confiante.
— Não sei como alguém não enfiou um na dele. – murmurei, me remexendo sobre a sela, e Ethos disparou em uma gargalhada ruído.
— Eu sempre pensei assim. – ele confessou dando de ombros. – Sir Quentyn diz que salvou Alexsander de Dazzo.
— Ele não é o rei de Dazzo? O que ele fazia na batalha?
— Aparentemente ele era só um rapazinho que se meteu em uma bagunça maior que a coroa de príncipe na cabeça enquanto visitava Midorina. Ele foi coroado rei anos depois. E se não me engano, tem um filho da sua idade.
Tombei a cabeça pensativo.
— Podíamos ir a Dazzo um dia. Acho que gostaria de ouvir a versão de Alexander sobre a batalha dos ossos vermelhos e sobre Sir Quentyn.
Ethos riu novamente de forma tranquila.
— Acha que o velho estaria exagerando nos fatos?
— Bom, eu gosto de histórias de batalhas. Se Sir Quentyn exagerou nos fatos, muito provavelmente a fez se tornar um tanto mais animada, não acha?
— Definitivamente. Até porque, uma batalha que matou o nosso avô e fez nosso pai ser coroado não deveria parecer gloriosa de forma alguma. – Ethos soltou uma risada nasal. – Aliás, vou precisar de um escudeiro para as justas do festival. Acho que você já consegue carregar uma espada, já que pode rouba-las e leva-los por aí.
Torci o rosto. Eu sabia que ele não tinha acreditado nenhum pouco em mim. Mas não seria Ethos se fosse tão desconfiado e temperamental.
— É melhor procurar outro escudeiro. Um qual a ideia de levar cascudos não lhe seja tão desagradável.
— Uma pena. Eu estive pensando em te ajudar com o treinamento e te ensinar o Quentyn não me ensinou.
O olhei de esgueira, tentando camuflar meu interesse repentino.
— Por que está tentando ser legal? Não serei seu pombo correio de novo! Quase me meti em encrenca da última vez! E até onde sei, a filha do cavalariço também não quer se meter em problemas.
Um brilho triste passou nos olhos dourados de Ethos. Amargor e desalento estava refletindo em seu olhar, no modo como ele encarava a paisagem. Talvez ele gostasse de verdade da garota, para que a resposta que ouvi da própria enquanto me esgueirava por aí, o deixasse frustrado, ou até mesmo magoado.
— Você gosta dela. – soprei e Ethos suspirou pesadamente e apertou as sobrancelhas, como se estivesse tentando expulsar os pensamentos da mesma para longe de si.
— Almas gêmeas sempre estarão condenadas a nunca ficarem juntas!
— É nisso que acredita? Que ela sua alma gêmea? Você é um príncipe e ela é a filha do cavalariço.
— As vezes você fala como nosso pai, Lucien! E eu detesto isso!– Ethos grunhiu baixo – Ela... Bom, não importa! Não vou coloca-la em problemas por minha causa.
Novamente aquele amargor doloroso em suas palavras.
— Então talvez eu, você e Tylia deveríamos apenas nos aventurar por aí para esquecer as responsabilidades sobre nós!– Comentei acenando em positiva com convicção a respeito de minha própria ideia. – Podemos pedir ao velho Larry que nos leve para velejar. Tylia esqueceria o cortejo, você esqueceria Felipa, e eu... Bom, eu ganharia uma aventura nova!
Ethos riu com amargor, rolando seus olhos ao redor.
— As vezes eu fico com inveja de como tudo parece tão simples para você, Lucien. Como se tudo pudesse ser resolvido em um piscar de olhos. Um dia vai arrumar um problema tão grande, e vai entender o que é estar de mãos atadas.
— Mas você pode escolher procurar outra pessoa. E Tylia pode escolher se casa ou não. – Dei de ombros. – Então não parece difícil.
— Eu não vou discutir com uma criança de oito anos sobre os problemas que o amor não correspondido pode causar ao coração...– ele suspirou desanimado. – E quanto a Tylia, acho que ela não se importa com quem casa, desde que ele a deixe em paz para ler sossegada e possa mimar você.
— Alguém precisa mimar o caçula! E é por isso que Tylia é minha irmã favorita.
Ethos bufou. Mas não eram bem a verdade. Por mais que eu amasse Tylia, e realmente fosse entre as irmãs a minha favorita. A pessoa que eu mais gostava de seguir e perturbar era Ethos. Talvez por serem mais jovens entre os nossos outros irmãos — Tylia tinha dezesseis anos, e Ethos já tinha seus vinte um — essa proximidade de nossas idades não me fazia sentir tão solitário. Bom, o que era impossível já que o número de meus sobrinhos de minha idade, e até mesmo mais velhos, ultrapassava muito o meu número de irmãos. Mas não era a mesma coisa. Ethos e Tylia são meus irmãos, e eu queria me sentir grande quando estava com eles, não apenas mais uma criança correndo pelo castelo, muito longe da sucessão do trono
—Definitivamente, estou ficando preocupado sobre o motivo de estar me levando para as minas.
— Não seja dramático, Lulu!
— Não me chame de Lulu! — rosnei revoltado os olhos levemente arregalados e dentes trincados. Ethos riu e bufei.
Amara costumava me chamar assim, mas somente minha irmã podia o fazer. Mesmo que sempre a olhasse de esgueira insatisfeito com tal apelido. Meredith, sua dama de companhia, sempre escondia uma risadinha ao perceber o quanto me deixava constrangido ao ser chamado assim.
— Achei que o caçula gostasse de se aventurar por aí.
— Inegável! Mas quando se trata de você, tenho medo de que pense em me matar para diminuir a linha de sucessão.
— Lucien, você é o caçula. – Ethos zombou com um sorriso cheio de escárnio – Suas chances são tão miúdas quanto as minhas. E elas começam quando Dangelo, teve nove filhos, e os filhos dele tem filhos. Depois, Ravi com seus filhos. Então, Heide, Kira, Hector, Victor, Leopoldo, Amara, Gregory, eu e Tylia... E os únicos que não se casaram e não tem filhos, somos eu, você e Tylia. Você, seria o menor dos meus problemas se eu quisesse me tornar rei.
O olhei baixo a cima demoradamente de forma ofendida._________________________________________
Boa leitura!
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O Rei de Ruínas
Historical FictionLucien, o décimo segundo príncipe do reino de Midorina, tinha apenas oito anos quando presenciou a queda de seu reino e a morte de toda sua família. Aquilo ficaria marcado em sua mente e coração pelos anos seguintes enquanto o príncipe lutaria com u...