Alexander estava se esforçando para conseguir responder a namorada e a amante no WhatsApp. Ambas lhe solicitavam a atenção — numa mescla de carinho e cobrança — enquanto ele atravessava o cardume de pessoas na Estação da Luz.
O rapaz de vinte anos era o tipo de canalha amável. Seu coração repetia-lhe, com insistência, que amava Helena e assim sempre seria. Na ocasião, prometia-lhe um jantar romântico para a noite de sexta.
Com Samara, todavia, a conversa caliente era sobre o encontro de sábado. Ao profetizar-lhe loucuras selvagens entre os lençóis, despia suas palavras da polidez que mantinha com a namorada.
Um de seus maiores desejos era combinar a amabilidade de Helena com a força primitiva que Samara usava para hipnotizá-lo. Como ele seria grato se a carne e o coração pudessem ser um só! Estava divagando sobre isso quando a multidão o espremeu até que adentrasse no estômago da serpente metálica.
Lotado, como de costume. A rotina da grande São Paulo era repleta daquelas esperanças mortas antes mesmo de nascerem. Um lugar para sentar, uma nesga de gentileza, talvez ar puro — expectativas infantis dentro de uma metrópole afogada na fumaça de uma população robótica.
Alexander, como todos naquele vagão, buscavam seu lugar ao sol (quando a nuvem de poluição não o eclipsava, claro). Estagiário num escritório que odiava, cursando a faculdade que a família o obrigou a seguir, encontrava a felicidade em filmes e séries nos quais madrugava. A vida amorosa também dava-lhe um resquício de alegria, salvando-o do suicídio diário que o tentava todas as manhãs.
Sempre foi propenso a aventuras, ao perigo... e ao proibido. Sentia-se enjaulado numa vida que não lhe cabia, feita de pedra e papéis que lhe entediavam. Mas a tela do computador preenchia sua mente enquanto as duas garotas alimentavam sua alma.
Reclamava dos ciúmes de Helena, mas no fundo adorava que alguém quisesse seguir todos seus passos, que tivesse interesse pelo que estava fazendo. Protegendo-o como um tesouro que piratas de sutiã pudessem saquear a qualquer momento.
Queixava-se da falta de noção de Samara, que era a bipolaridade mais maciça que já presenciou sobre o planeta. A 'rockeira' explodia como uma ogiva nuclear para, no instante seguinte, envolvê-lo numa doçura perfumada.
Há tempos notou que essa mesma característica o repelia e o atraía conforme a lua que regesse seu humor.
O céu vestia-se de tempestade naquela manhã rotineira. Um manto prateado despencava em gotas pesadas pela cidade, surrando a janela do trem como se quisesse arrebentá-la. Trovões retumbavam seus ecos grotescos pelo ar, não que alguém notasse.
Quase todos no vagão estavam com fones de ouvido, teclando alguma coisa no celular. Os que não o faziam, contentavam-se com um olhar apático para lugar nenhum, evitando vislumbrar a cara dos outros infelizes enlatados ali.
A internet 3G de Alexander estava particularmente ruim naquele dia. Isso o obrigou a sair do WhatsApp e a distrair-se com outra coisa. Encaixou os fones no ouvido e escutou música, deixando para trás o rugido do atrito gritado pelos trilhos. De pé, com uma das mãos segurando a barra de metal frio sobre a cabeça, o rapaz contemplou o vidro da janela. Embebido em jorros enfurecidos de dilúvio urbano, seu outro eu o encarava de volta na superfície espelhada.
A pele era clara, mas um tanto morena. Cabelos pretos, curtos e arrepiados. Não havia nenhum traço nele que o distinguisse dos rostos ao redor. Seus olhos escuros censuravam a mancha de café na blusa prateada que estava usando. O capuz o protegia do frio, já que o inverno insistia em envenenar a cidade com uma severidade fulminante naquele mês. O jeans comum e seus tênis pretos não eram sequer dignos de nota.

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A Proposta da Rainha - Terror Vampiro
VampireSão Paulo. Um Trem. Um jovem canalha. E uma mulher fatal... literalmente. 👿 Palavra do Autor 👿 Prepare o estômago para uma senhora carnificina. Além do terror, busquei incluir outros elementos na trama, como a sedução e a reflexão de valores. ...