nós todos vamos morrer, mas até que tudo bem | único

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huening balançava seus pés, sentado na varanda apreciando a vista cautelosamente. a pergunta de seu amigo de turma martelava  em sua cabeça há horas e ele a contemplava em um misto de total curiosidade e completo terror: o que o dinheiro não podia tirar dele?

suas conclusões eram um mar de tristeza até aquele momento. percebera que não teria casa, nem comida, nem carro, nem roupas, nem todo o básico da vida de um ser humano, nem mesmo escola e saúde; tudo que pensava não ter uma raiz capitalista de alguma forma tinha e ele se afundava novamente no discurso de taehyun sobre como nós mal percebemos o quão intrínseca é a necessidade por dinheiro no nosso cotidiano. era triste e frustrante saber que ele estava certo, porém ainda fazia com que kai admirasse ainda mais o intelecto realista de seu amigo. tudo aquilo havia começado com um único tópico na aula de história e se estendido pelo intervalo inteiro, sempre mantido com argumentos muito tangíveis.

o loiro observou o sol se pôr gradativamente com um sorrisinho, deixando de lado o questionamento por um tempo; sentia que não faria bem ao seu estado psicológico entrar em uma crise de meia idade aos dezessete anos por descobrir que o capitalismo podia tirar o que quisesse dele a qualquer momento e ainda o culpar por isso. a natureza também era arrancada de si por conta dele — afinal, o que são as madeireiras e semelhantes senão uma forma de tirar o privilégio de apreciar o mundo de quem não pudesse pagar por algo que era gratuito antes? —, porém ainda estava ali e estava viva. kai adorava ouvir os passarinhos conversando, sentir o vento correr pelas pernas e cabelos e observar como de cima tudo parecia estupidamente pequeno; a varanda só não era seu lugar favorito da casa porque havia uma pequena escada para o telhado em seu quarto e nada podia barrar aquela vista.

bom, talvez beomgyu pudesse, mas kai ainda gostava de guardar isso para ele mesmo.

como se o simples pensamento dele houvesse o invocado, huening ouviu a porta de casa ser destrancada e uma voz comum anunciar que havia chegado com a mesma quantidade de animação e exaustão no tom, abrindo um sorriso de automático porém não se movendo um centímetro. beomgyu iria até lá, afinal. sempre ia.

— oi, hyuka. como foi seu dia? — questionou o choi, enlaçando sua cintura com os braços e apoiando o rosto em seu ombro. era menor que kai mesmo que fosse mais velho e seus pais haviam rido disso quando fora apresentado a eles ao ser promovido de "pessoa que divide as contas comigo por uma educação melhor" para "pessoa que divide seu coração comigo".

— a aula foi calma, mas o tae me deixou pensativo. não descansei direito por isso. — beomgyu murmurou um "interessante" antes de deixar um beijo na nuca dele como sempre fazia. — e o seu?

— foi menos caótico. não mais fácil; menos caótico. — enfatizou, causando um risinho em kai e nada mais. claro que dizer que não iria mais pensar no problema social que era a busca por capital não havia o impedido de continuar ponderando sua vida. — qual foi a do taehyun dessa vez? você realmente não está com a cabeça aqui.

— capitalismo. o problema de tudo é o capitalismo, sabia? nós não temos nada de fato, nem o toto. se nós não tivermos dinheiro para cuidar do toto direito, ele acaba sofrendo maus tratos porque não conseguimos comprar comida ou o levar no veterinário, e então o órgão de defesa dos animais da cidade provavelmente vai ser notificado por um dos nossos vizinhos e ele vai ser levado; tudo começou porque nós não tínhamos dinheiro. se eu ou você pararmos de pagar o aluguel não temos mais onde morar, e se a casa fosse nossa, ainda haveria o imposto pelo terreno, já que tecnicamente o governo nos emprestou uma terra que não era de ninguém, o que também não é verdade já que eles roubaram esse território dos nativos. se nós tivermos um carro, adivinha? temos mais impostos a pagar! sem pagar isso, eles podem tomar nosso carro. se nós ficarmos sem emprego para pagar a comida, vamos adoecer de fome, e sem dinheiro nós não podemos pagar atendimento médico já que o atendimento público não é exatamente o que você pode chamar de eficaz. nossa mensalidade é uma facada e se nós pararmos de pagar automaticamente perdemos acesso à educação e isso respinga nos nossos pais, já que é direito da criança e do adolescente de estar em um ambiente escolar, mas o ensino público também é estupidamente defasado já que se você expor menos as pessoas pobres a ideias que dizem que elas têm algum direito, menos elas questionam o que é feito com elas. e! como se já não fosse o suficiente, nós dois vamos morrer por causa do aquecimento global muito antes do que era esperado e o culpado é de novo o capitalismo. se nós formos bem fundo em qualquer problema social agora o motivo inicial está na busca pelo dinheiro e a forma desigual que ele é distribuído. o que bilionários fizeram para merecer serem bilionários, hein?

✧ NOTHING BELONGS TO ME, beomkaiOnde histórias criam vida. Descubra agora