ESPRESSO

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Café do Coração era uma harmoniosa cafeteria tradicional da pequena cidade de Xīnzhōu, cercada por montanhas cobertas de vegetação exuberante e pontilhada de pequenos rios que serpenteavam pelo campo. Conhecido por ter o melhor chá das redondezas e o café mais saboroso da província, o familiar estabelecimento possuía seus clientes fiéis, apaixonados pela construção de  paredes adornadas com quadros antigos, grandes janelas e um balcão decorado com jarros de flores frescas, as quais eram religiosamente trocadas todas as manhãs.  Uma charmosa vitrine expunha deliciosas tortas e outras sobremesas, perfeitas para acompanhar as deliciosas bebidas oferecidas.

Cada cliente tinha seu pedido especial. O senhor Huang, por exemplo, gostava de seu café forte, com pouco ou quase nada de açúcar, perfeitos para o início de suas manhãs. Já a senhora Zhou preferia chás gelados, que preenchiam suas tardes de segundas, quartas e sextas. Não importava quantos clientes o pequeno local atraísse, Jackson saberia exatamente o nome de cada um e sua bebida favorita.

Para Jackson, um jovem rapaz em seus vinte e poucos, o café era muito mais do que apenas uma quente bebida milenar. Ele via magia em cada passo do processo, desde a escolha dos grãos ao moer deles. Wang acreditava que o café tinha o poder de restaurar o homem mais cansado, relaxar os mais aflitos, reconectar os distantes e guiar os confusos. O garoto gostava do que fazia, e não trocaria sua rotina doce por paredes cinzas e computadores, mas as vezes, no final de um dia agitado, sentia falta de algo para tornar sua vida uma explosão de alegria.

Na manhã anterior, seu chefe havia lhe informado sobre a chegada de um novo barista, deixando o garoto chinês responsável pelo treinamento do novato. Jackson sentiria falta de Xiaojun, seu antigo companheiro de bancada, mas estava animado para conhecer quem quer que fosse, pois acreditava que cada final de ciclo significava o início de algo ainda maior. Quando o sino suspenso sob a porta tocou, indicando uma nova pessoa no local, os olhos de Jackson buscaram por um rosto que nem ao menos conhecia, frustrando-se ao encontrar Yugyeom, seu velho amigo.

— Boa tarde, Seunie. — disse Yugyeom, sentando-se em um dos pequenos banquinhos acolchoados a frente da bancada. Yugyeom era um garoto alto, de cabelo negros e sorriso gentil, companheiro de todas as horas.  Ele havia iniciado sua graduação recentemente, e sempre visitava seu amigo nos intervalos entre uma aula ou outra.

— Como estão as aulas? —Jackson folheava um romance qualquer, tentando lutar contra sua ressaca literária.

— Vão bem, eu acho. Ontem uma criança cortou o cabelo do outra durante meu estágio, e eu precisei me segurar muito para não rir. — confessou o mais novo, que cursava pedagogia — Tem falado com os outros garotos?

Além de Yugyeom, Jackson sempre estava acompanhando de Youngjae, um menino sorridente que possuía o dom da música, e BamBam, que de todos era o mais dedicado aos estudos e ao trabalho, sempre focado no sonho de possuir uma renomada grife de roupas. Nas últimas semanas, apenas Yugyeom estava visitando o café, o que deixava os encontros do grupo mais escassos.

— Bam está enrolado até o pescoço com uma prova prática de costura, e Youngjae prometeu aparecer no final de semana. — ele respondeu sem dar muita atenção ao menino, inquieto enquanto observava a entrada da cafeteria. Ele pensava estar disfarçando, mas Yugyeom havia notado suas  curtas perninhas inquietas do outro lado da bancada de vidro e seus olhos sempre buscando por algo.

— Seunie, o que tanto você olha lá na rua? — o mais novo foi direto ao ponto, já ficando ansioso ao acompanhar o movimento do chinês, que largou o livro que inutilmente tentava ler.

— Estou esperando por uma pessoa. — Jackson respondeu, começando a preparar uma xícara de  chocolate ao leite, pedido fixo do amigo— Um novato está para chegar, e fiquei encarregado de ajudá-lo no período de adaptação.

— E como ele é? — Yugyeom perguntou, acompanhando as mãos ágeis de Jackson com o olhar. Yugyeom mal tinha completado a maioridade, e mantinha alguns comportamentos infantis, agindo como uma pequena criança curiosa.

— Não sei, na verdade. — Wang confessou, despejando o líquido quente numa larga caneca branca.— Tudo o que sei é que é um garoto, mais ou menos da minha altura e que aparentemente tem uma carinha de assustado, segundo o senhor Wu.

— Sei, tipo aquele cara que está ali parado na porta? — Yugyeom questionou, apontando para a porta de vidro. Jackson seguiu o gesto do amigo, observando o garoto de cabelos ondulados e roupas certamente maiores do que as que deveria vestir. Headphones contornavam seu pescoço, carregava uma bolsa-carteiro marrom repleta de broches e usava tênis cor de cereja. Um grosso moletom azul o vestia, acompanhado de calças jeans de tom escuro.

Ele parecia hesitar em dar um passo a frente e abrir a porta, o que deixou Jackson curioso. Assim que seus olhos encontraram os de Wang, o menino pareceu envergonhado, abrindo a porta com certa rapidez e fazendo o pequeno sino tintilar. Jackson abriu um sorriso gentil, observando o andar cauteloso do rapaz. Sua aparência era condizente com a descrição de seu superior, a julgar pela enorme franja que cobria os olhos assustados do rapaz e a forma com que ele maltratava seus lábios entre uma mordida e outra. De fato tinha a tal carinha de assustado descrita pelo dono do local.

— Hm... oi. — falou o novato, caminhando até a bancada. Suas mãos tremiam e sua voz estava prestes a falhar, algo que Jackson silenciosamente reparou, mas educamente preferiu fingir ignorar. — O senhor Wu disse que eu deveria procurar alguém chamado Jackson.

Wang sorriu ainda mais, se apresentando ao garoto.

— Bem, este sou eu! — ele respondeu, saindo de trás do balcão e andando até o recém chegado, que tinha o corpo mais esguio que o seu. Yugyeom observava toda a cena, bebericando seu chocolate. — Você deve ser o garoto novo, certo? Como se chama?

— Mark. Mark Tuan. — ele se apresenta, fazendo uma pequena reverência a Jackson.  O chinês não se importava com aquele tipo de formalidade, mas decidiu não comentar nada, apenas para não aumentar o visível nervosismo de Mark.  Wang não tirou o sorriso do rosto, o que contagiou Tuan a sorrir de volta, ainda sem jeito.

Jackson não sabia, mas naquele momento, algo dentro de si estava pronto para receber a mudança que Mark causaria em sua vida, e que o Café do Coração faria ainda mais jus ao seu nome.

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