Prólogo: Mel, Dama da Noite e Canela.

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Eu estava tendo um dia ruim.
No entanto quando foi que tive dias bons? Pessoas com dias bons não precisam de maços de cigarros, nem veem pessoas mortas, mas acho que estamos perdendo o foco aqui.

Um banho de cachoeira havia parecido ser uma ótima ideia para curar um coração partido, um cartão de crédito bloqueado e uma faculdade trancada que havia apenas me jogado no fundo da hierarquia familiar. Alguém tem que fazer o papel da prima irresponsável não é? Sou boa no meu trabalho.

O lugar era magnífico: a água cristalina era convidativa e mostrava exatamente o que havia no fundo ( ao contrário da minha ex), porém como toda cachoeira, estava gelada e eu levei tempo para me acostumar. Existe algo mágico, quase ritualístico em apenas flutuar, a mercê do ambiente ao redor, ouvindo o farfalhar das folhas ao vento contando segredos umas as outras enquanto suas preocupações desaparecem a medida que a água te embala. Por um momento nada importa, nem você importa. Apenas...

Risadas.

Risadas de criança chegam aos meus ouvidos apesar de eles estarem submersos. Levanto a cabeça procurando por Erin, mas não a vejo. Deve ter ido achar um banheiro.

Você pode pensar " é uma cachoeira, já é um banheiro" e eu aconselho que vocês procurem serem criados por uma mãe de verdade e não por coiotes. Se bem que provavelmente coiotes teriam mais modos.

- Erin! Erin!! Não se afasta muito, lembra, a gente combinou !!

Foi ideia da minha melhor amiga fazermos essa trilha, mas ela sabe que eu não gosto muito de " natureza " e tenho um péssimo senso de direção. A condição foi ela não me deixar sozinha.

Ouvi as risadas outra vez.

Meu coração começou a palpitar e saí da água com pressa, meu peito começou a ficar pressionado e toda a magia de antes se tornou um poço profundo de ansiedade que logo iria se transformar em uma espiral de desespero. Um zunido no meu ouvido não parava, e eu comecei a ficar zonza. Com uma bota no pé e outra na mão já ia entrar cambaleando no meio do mato quando a voz de Erin surge entre as árvores.

- Meus deuses Claire, alguma coisa te mordeu? - ela correu e me amparou.
Neguei com a cabeça, ainda ofegante. - Ansiedade? Tá tudo bem, eu só fui atrás de um " banheiro", já tô aqui de novo, tô contigo. - ela me abraçou e sentou comigo no chão.

As risadas outra vez. Por mais que eu não gostasse, sabia o que estava acontecendo. Depois de uns minutos, me recompus o suficiente pra me levantar.

- Tenho que ir atrás de algo que tá me incomodando. Achei que por aqui não veria nenhum deles , mas me enganei.

- Sério que até no meio do mato você tá vendo gente morta? Deuses, eles não te deixam em paz. - Erin passou a mão pelo rosto preocupada - Quer que eu vá com você?

- Não precisa. Só fica aqui e não sai até eu voltar e já vai tá tudo bem. Só preciso saber que você vai estar aqui.

- Sem problemas. Se precisar de algo, grita.

Erin gostava de usar um perfume amadeirado que mesmo com o suor de uma trilha ainda sim era reconfortante. Ela era o tipo de pessoa que de fato te passava segurança.

Passei a mão no meu maço de cigarro e acendi um enquanto seguia as risadas. Suspirei entre um trago e outro, enquanto estabilizava minha cabeça o suficiente. Geralmente eu só precisava conversar com uma alma para ajudá-la a seguir em frente. Dentro da floresta, provavelmente era alguma criança infeliz que se afogou, mas o problema era que eu não estava vendo ela, apenas ouvindo. Isso era diferente do que eu estava acostumada.

As risadas aumentaram gradualmente, surgindo mais uma ao meu redor a cada minuto. Eu girava e tentava achar a fonte, mas a única coisa que conseguia ver eram as folhas e galhos fazendo ruído, algo estava passando entre elas, e ficava cada vez mais rápido e as risadas mais altas e de repente a fumaça do meu cigarro se misturou a uma névoa densa vinda do absolutamente nada.

- ERIN!! ERIN! - o branco tomou minha visão - erin...er....

Um cheiro adocicado preencheu minhas narinas. Mel, dama da noite e canela. Minha voz começou a falhar. " Erin" minha cabeça pensava." Quem é Erin?" Olhei pras minhas mãos, estavam turvas. " onde eu estou?" O Mel, a Dama da Noite e a canela ficaram mais fortes. " Quem..."

Minha visão escureceu, e mais uma vez no dia, de repente, nada mais importava.

" Acho...acho que caí em cima de alguns cogumelos" e mais uma vez, riram.

Lâmina de Sangue Onde histórias criam vida. Descubra agora