𝑷𝒓𝒐́𝒍𝒐𝒈𝒐

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        𝐄ra irônico como seus sonhos sempre a mergulhavam de volta em águas escuras e silenciosas, permitindo que por algumas horas ela não sentisse nada além de um vazio reconfortante. Mas logo depois eles a cuspiam de volta na realidade sem piedade.

        Ela acordava sempre uma hora mais cedo para averiguar onde estava e ter tempo de se lembrar quem era antes do dia começar. O quarto onde ficava era pequeno, repleto de escritas de carvão pelas paredes e tábuas nas janelas, coisas que não eram capazes de impedir a brisa gelada da manhã de entrar. Sua camisola, um trapo que mal chegava aos seus joelhos, também não ajudava muito nisso.

        A madeira velha do piso rangia conforme ela movia os quadris para se sentar sentindo todos os seus músculos doerem. Seu carrasco jamais se esquecia de amarrar seu tornozelo ao pé da cama, a privando do único conforto que poderia ter naquele colchão fino, e a obrigando a dormir no chão frio como uma criatura esquecida. 

        E era assim que ela se sentia, esquecida.

        Se prestasse atenção nos sons ao seu redor, conseguiria contar vinte passos pesados até que as portas do quarto fossem abertas. Sem delicadeza, o carrasco a colocava de pé arrancando as cordas do seu tornozelo e a forçando a descer quatro lances de escadas antes de finalmente desamarrar suas mãos. Os pulsos arroxeados latejavam cada dia mais, e ela sabia que não aguentaria mais uma noite daquilo, mas esse pensamento já a acompanhava há semanas.

        — Forje. – O carrasco ordenou, a empurrando contra uma pilha de metais retorcidos em meio a forja. — E nada de gracinhas.

        Gracinhas.

        Que tipo de gracinhas ela poderia fazer depois de ser queimada com ferro quente da última vez que ousou levantar a cabeça para encará-lo? O que esse homem esperava dela em meio a tantos guardas?

        Matar? Improvável que fosse conseguir levantar uma mão um pouco mais alto do que o habitual sem que fosse contida logo em seguida.

        Fugir era uma hipótese ainda mais impossível.

        Não haviam gracinhas para serem feitas.

        Seu trabalho era forjar, sua vida dependia disso, e suas memórias não eram necessárias para ter esse conhecimento. Todos deixavam isso bem claro com gritos e ameaças constantes. No entanto, pelo menos a forja era algo que ela dominava com facilidade. Com suas mãos que moviam, retorciam e moldavam metais sem tocá-los, criar uma adaga não exigia muito esforço. Tudo era possível quando lhe forneciam o metal necessário, e o lugar oferecia uma abundância disso.

        Sua cabeça começava a latejar depois de três horas seguidas de trabalho árduo. À medida que as horas avançavam para além das cinco, seus ouvidos e nariz sangravam, um sinal de que se não parasse, logo desmaiaria.

        Eles não a desejavam morta, era evidente. Se assim fosse, não se incomodariam em lhe servir água e pão antes de fazê-la retornar ao trabalho. No entanto, mantê-la viva também não era uma prioridade. Caso fosse, não a forçariam a forjar até a exaustão. Sua mão de obra era útil, porém não essencial para eles.

        Ao cair da noite, sua barriga estava cheia, alimentada por um refeição insossa e sem sabor. E as armas do dia eram testadas uma a uma por um guarda em frente ao soberano daquele lugar, que se sentava despreocupadamente em cima de uma das mesas, observando com animação o desmembramento das carcaças de animais, como se fosse um espetáculo a ser apreciado.

𝐂𝐨𝐫𝐭𝐞 𝐝𝐞 𝐏𝐫𝐢𝐦𝐚𝐯𝐞𝐫𝐚 𝐞 𝐋𝐮𝐚𝐫Onde histórias criam vida. Descubra agora