As três batidas na porta vieram na hora mais silenciosa da noite, chocando-se contra as paredes de madeira como se procurassem uma forma de escapar. Feixes prateados de luar invadiam o aposento pelas frestas de uma janela enferrujada, conferindo ao ambiente uma meia luz inquietante. Sentado em uma poltrona escondida em um dos cantos da sala, um homem encarava a lareira, imóvel. A maneira despreocupada com a qual segurava o cachimbo nos lábios quebradiços escondia o que realmente se passava em sua mente.
— Por favor, senhor — uma voz fraca de mulher soou do outro lado da porta. — Eu vi a luz da lareira. Por favor, está frio.
O homem não esboçou reação. Ele não abriria a porta de sua casa a um deles. Não depois de Katherine. Não depois daquela noite... vermelha.
— Eu consigo ver a sua sombra na parede, senhor — a súplica voltou a ressoar pela noite silenciosa. — Por favor, eu sou humana. Estou fugindo deles.
Um observador atento perceberia o punho do homem cerrar-se ao redor do cachimbo com mais força enquanto os olhos continuavam a encarar o fogo. O crepitar da lareira era o único som que se opunha à voz ofegante do lado de fora.
Mais três batidas, dessa vez mais fortes.
— Que Deus o amaldiçoe — o desespero dera lugar ao ódio. — Que sua casa desabe! Que seu solo seque! Que seus filhos sufoquem! Que sua esposa o deixe!
E então, silêncio.
Agora, o crepitar do fogo tomava toda a cabana, constante como o curso do rio — do mar. O homem secou o suor da testa, ajeitando os cabelos grudados à pele áspera. O cheiro de chuva ainda invadia a cabana. Katherine adorava tardes chuvosas.
Me sinto mais perto do céu, dizia.
Onde quer que estivesse agora, será que conseguia sentir o cheiro da chuva? Ele gostaria que sim. Sentir o mesmo cheiro que ela já lhe bastaria.
O primeiro baque da noite — que reservava três no total — veio do lado de fora da porta, trazendo-o de volta à realidade.
— Meu amor? — a voz de Katherine ressoou, fina como uma faca amolada sob o luar. — Deixe-me entrar.
O segundo baque veio do cachimbo chocando-se contra o chão amadeirado. O homem cobriu a própria boca com as mãos.
Katherine voltou a falar.
— Você... deixe-me entrar, meu sol.
Não era Katherine. Ele sabia que não. Katherine estava morta. Morta por eles. Estava morta. Ele a vira, despedaçada em seus próprios braços. Segurara o rosto sem vida da esposa nas mãos que usara para cavar sua cova.
— Deixe-me entrar, meu amor — Katherine voltou a suplicar. — Deixe-me vê-lo. Deixe-me beijá-lo. Deixe-me... sentir seu gosto.
O homem se levantou. Os passos ressoaram pela noite. A cabana parecia maior. Quando abriu a gaveta de um antigo móvel que Katherine havia construído, o ranger da madeira pareceu abraçá-lo. O toque áspero do revólver Winchester fez sua mão arder. Ele precisava vê-la.
— Deixe-me rasgá-lo — a voz de Katherine era doce, límpida. — Quero sentir seu sangue. Suas entranhas. Por favor, meu amor. Quero dilacerar seu corpo. Me alimentar de sua carne sem vida, meu amor. Por favor.
Enquanto lágrimas escorriam pelo rosto envelhecido, fundindo-se à barba que há muito não era aparada, o homem tomou uma decisão. Veria Katherine esta noite. A beijaria. Sentiria seus lábios. Alisaria seus cabelos pretos, sua pele negra, suas mãos macias. Elas sempre o faziam esquecer as próprias mãos, rudes e calejadas. Veria Katherine esta noite.
O estalido do cão da Winchester tilintou, como música no início da manhã.
— Deixe-me entrar, meu amor. Quero entrar em você. Quero morder sua alma, quebrar suas lágrimas. Quero beber seu espírito.
O homem lembrou-se da noite em que eles vieram pela primeira vez. Lembrou-se de sangue. Lembrou-se do rosto sem vida da esposa. Lembrou-se de presas.
Hoje, acordarei ao seu lado, minha lua.
Os dedos no gatilho relaxaram quase instantaneamente após o barulho do tiro invadir a noite, e o baque que se seguiu — finalmente — foi do corpo sem vida do homem deixando este mundo. Agora, ele não mais os serviria.
E então, apenas o silêncio restou na cabana que outrora fora o lar do amor.
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Prometo-lhe, Katharine
VampireUm breve conto sobre vampiros, amor, luto e promessas. Em uma cabana isolada em uma noite de lua cheia, um homem ouve 3 batidas à porta.