- Você está nos zoando, né? - perguntou meu primo à Cecília após um período de choque séptico.
- Não estou de brincadeira. Eu realmente pensei em várias alternativas, nenhuma delas justifica o que eu fiz para vocês - ela suspirou profundamente, parecia sinceramente triste. - Karin, estou aqui para te levar.
Meu cérebro parou de funcionar, não podia ser verdade. Do que é que ela estava falando? Levar-me para onde? E como assim seu nome não é Cecília? Será que foi ela quem bateu a cabeça, teve amnésia e eu não estou sabendo? O parque à minha volta começou a rodopiar. Deve ser a concussão, pensei em alto, mas eu sabia que não era verdade, pois a dor já tinha ido embora.
- Pelo amor de Deus! Cecília, fala de uma vez! Vai levá-la para onde? - perguntou Carlos, a voz dele indo de sério para irritação.
- Para os pais dela.
Para meus pais, eu gravei a frase repetidamente para mim mesma, em silêncio. Eu não enxergava mais nada ao meu redor e não ouvia mais nada também. Não estava entendendo... como ela conhecia meus pais? Eles não eram daqui.
- Isso não tem graça, Cecília! Sabe o quanto eu espero por isso! - me levantei, indignada com a brincadeira de mal gosto. Ela não machucaria nem uma formiga, então não entendo o motivo dela estar fazendo isso. Afastei-me deles. Ela estava certa sobre como o parque me deixa calma, a natureza me faz refletir de uma maneira única e eu gosto de observar as pessoas. Ainda pude ouvi-la dizendo para Carlos me deixar ir, então eles não vão me seguir, poderei dar uma volta e me esconder na Praça da Paz.
***
Sinto as gotas de chuva no meu rosto, a parte de trás da minha roupa já estava úmida por causa da grama. Escutei a voz do meu primo me chamando, abri meus olhos e o vi. Apesar do céu estar nublado, a claridade do dia machucava meus olhos claros. Conseguia apenas ver o contorno do seu rosto quadrado e o cabelo cortado em fade nas laterais, com um volume no topo.
- Vamos, Karin - sua voz era gentil, sua mão inclinada para me ajudar a levantar, aceitei-o. Andamos sem falar até o seu carro, Cecília não estava lá. Carlos deve ter compreendido a dúvida que transparecia no meu rosto, me disse que ela nos aguardava em casa. Eu fiquei imaginando se ela foi à pé, não moramos tão perto assim, e eu não fiquei muito tempo deitada na relva.
Entramos no carro, observei pela janela a paisagem do bairro, São Paulo sempre foi movimentada, mas estranhamente hoje não estava. Será por causa da chuva que estava por vir, para lavar a alma da cidade? Sinto-me estranhamente triste, não consigo apagar o que Cecília falou, meu nome não é Cecília, era um flashback em um eterno looping nos meus ouvidos. Não percebi quando chegamos até Carlos me chamar, estávamos na nossa garagem com espaço para dois carros, porém só tínhamos um. Aqui tem uma porta que conduz à sala, bem no estilo americano, e a cozinha cinzenta já nos esperava sem a parede divisória da sala. Carlos disse que ia pedir pizza e fui direto para o escritório do meu tio.
Ele é uma pessoa caótica, mas inteligente. A casa nunca fica em ordem. Minha tia diz que é como estar dentro da mente dele, mesmo que haja mais três pessoas morando no mesmo lugar. O escritório se encontra, talvez, em um buraco negro, era o cômodo mais bagunçado do lar, mas eu gostava de lá, pois sempre sabia onde estavam as papeladas de um certo assunto que ele nunca conseguia encontrar. Sentei-me na cadeira gamer preta, que demos de presente no ano passado, e diante de mim estavam os dois monitores velhos, fora de linha no mercado atual.
Dei um sorriso triste, ao lado dos monitores estava o objeto prateado que me trouxe para casa em seu interior. Ele é redondo, quase um ovo, mas tem a base reta, assim conseguindo permanecer de pé. Ele não é muito grande nem pequeno, apenas tem espaço suficiente para transportar um bebê de seis meses.
Francisco, pai de Carlos, me contou a história de quando eu cheguei. Ele me dizia que estava trabalhando em casa quando ouviu a campainha e, sem pensar duas vezes, correu para abrir a porta, se esquecendo que já passavam das duas da manhã. Não se deparou com ninguém, somente o objeto brilhante chamando a sua atenção no chão. Dentro dele estava eu, um bebê, e uma carta destinada aos senhores Monte. Sua esposa apareceu ao seu lado, sonolenta e confusa, perguntando quem estava à porta, mas ele não respondeu, hipnotizado com aquela cesta aberta feita de um design que ele nunca tinha visto antes em sua vida. Francisco é arqueólogo e sempre se apaixona por objetos diferentes que encontra e... bem, agora você sabe o resto da história, né? O casal leu a carta e me acolheu.
- Karin, quero que você saiba que você aconteceu como uma mágica na nossa vida - dizia ele todas as vezes que me explicava que eu era sua filha do coração. Nunca escondeu de mim que eu sou adotada. Falava que quando eu completasse o vigésimo anos de vida, eu iria conhecer meus pais biológicos.
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O Destino de Karin
FantasiaHá uma profecia que revela que um dos filhos do rei irá desruir a paz mantida por ele e que o outro filho do mesmo com uma marca de nascença irá impedir, em uma batalha contra seu inimigo de sangue. Eu sou aquela com a marca de nascença e meu nome é...