O que (não) dizer para um ladrão

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Após mais um dia cansativo de trabalho, Sanji descansava a cabeça na janela, suspirando pesadamente sentindo seu corpo doer. O loiro não estava pouco se importando se a cadeira era pública ou se lhe julgariam por estar fazendo o acento de cama, ele só queria se livrar da dor insuportável nas pernas. Ele odiava seu trabalho, visto que garçom não era lá a profissão mais respeitada no mercado de trabalho, como também não estava nem perto do seu sonho — ser um grande chefe de cozinha —, mas qualquer coisa era melhor do que estar desempregado.

O trajeto até a casa do loiro era um pouco longo, por volta de meia hora, sendo tempo o suficiente para fechar os olhos e tirar uma boa soneca, mas naquela tarde em especial Sanji preferiu cruzar os braços e assistir as árvores e construções do percurso até sua moradia passarem como vultos na janela meio suja do transporte público.

Sanji odiava muitas coisas do seu cotidiano, mas a principal era os ônibus cheios e barulhentos que ele era obrigado a pegar para chegar até em casa. Repletos de pessoas tagarelas e fedorentas, aquela lata velha com rodas conseguia ser seu inferno particular.

— Ou é isso, ou duas horas de bicicleta — resmungou entre suspiros cansados enquanto conectava seus fones via bluetooth.

O loiro aproveitou seus últimos segundos sozinho após notar que um homem moreno e musculoso que havia acabado de subir no transporte iria sentar-se ao seu lado. Passando tediosamente as músicas sem vontade de ouvir algo específico, Sanji foi cumprimentado — grosseiramente — com um “chega pra lá” de seu parceiro de acento, que fez questão de sentar com as pernas abertas, espremendo Sanji com seus músculos superiores. O garçom não era um dos mais pacientes e sendo o fim de um dia estressante, aquela ousadia foi a gota d’água.

Sanji desligou o aparelho em mãos com brutalidade, puxando o ar necessário para confrontar o homem ao seu lado. Ao direcionar seu olhar, imediatamente engoliu o “ei, idiota” que estava prestes a rosnar para o outro. Grande, tatuado e com uma cicatriz grotesca no olho esquerdo, aquele homem era no mínimo um ex-presidiário.

O homem de olhos claros não gostava de tirar conclusões precipitadas se embasando em características alheias, afinal, ele era o típico homem padrão com madeixas loiras e olhos azuis constantemente julgado como um rico metido. Contudo, ao olhar para o volume na regata branca colada do homem ao seu lado, Sanji estava quase certo de seu julgamento.  

Aquele homem estava armado.

O coração do loiro saltou com a possibilidade de levarem seu celular recentemente comprado. Sendo assim, sorrateiramente, tirou os fones e guardou-os junto com o Iphone no fundo da bolsa, aproveitando que o moreno do assento ao lado estava olhando ao redor.

Sanji reparou que no meio do ônibus e no fim dele, havia um homem e mulher igualmente suspeitos, que se mostravam atentos ao movimento do ônibus, como também no homem ao seu lado, visivelmente, esperando uma ação ou quem sabe, uma ordem.

Com as mãos tremendo, Sanji sabia que seria o primeiro a ser abordado. Seria uma cena clássica onde quem está armado, no início do ônibus, anuncia o assalto, enquanto os comparsas, no meio e fim, recolhem os pertences, como também impedem que as pessoas tentem fugir.

Então, para aquele assalto não acontecer, basta desarmar o homem ao seu lado.

— Licença… — Sanji chamou a atenção do tatuado, que lhe lançou um olhar medonho e impaciente. O loiro se amaldiçoou por tentar ser o herói da tarde.

O homem nada respondeu, apenas esperou que continuasse seja lá o que fosse dizer. Isso só deixou Sanji mais nervoso.

— Q-qual é seu nome? — mordeu a língua por ter gaguejando. Seu rosto queimou por vergonha.

Antes de lhe responder, o moreno franziu o cenho.

— Para que quer saber?

Rude e direto, carregando uma voz grossa e marcante, aquele homem respondeu Sanji da forma mais mal educada possível. Em outra posição, Sanji reviraria os olhos enquanto xingava o outro, mas com uma arma em jogo, o garçom preferiu engolir sua personalidade arisca.

— Bem, é porque…

Ótimo, por que caralhos se pergunta o nome de um estranho em um ônibus? Sanji não pensou em absolutamente nada quando resolveu puxar conversa com o criminoso, contudo, naquele momento, ele precisava se virar.

Ele não pensou se aquele homem lhe socaria ou se atiraria na sua cara, ele apenas perguntou:

— Eu queria saber se você está solteiro.

Suas bochechas arderam três vezes mais, enquanto seu coração pulsava loucamente em seu peito. Sanji estava muito ferrado.

Contudo, ele não esperava que as bochechas morenas fossem ficar rosadas. Parando para perceber, aquele homem era bonito e bem encorpado; se Sanji fosse gay — ele definitivamente não era, certo? —, aquele homem seria seu tipo ideal.

— Estou… — o homem respondeu com um pequeno sorriso no rosto.

Bingo, o peixe foi fisgado.

Se Sanji não havia apanhado antes, não custava nada ousar um pouco em seu flerte desajeitado e por isso, foi rápido em levar sua mão até a coxa farta do moreno, deslizando-a ali, numa falsa inocência.

— E eu tenho chances? — Sanji sussurrou, fazendo o homem ao seu lado encará-lo com o cenho carregado de malícia.

Merda, estava fudido.

— Você não tem ideia com o que está mexendo, loiro — disse, causando uma sensação estranha em Sanji, que arrepiou-se.

Aquilo foi uma ameaça?

— Me chamo Sanji — o loiro sorriu de lado, galanteador.

O moreno lhe olhou perdidamente por alguns segundos, antes de olhar para o teto do ônibus enquanto sorria bobamente.

— Eu sou o Zoro.

E naquele momento, Sanji não se deu conta que estava olhando para o tal Zoro a mais de cinco segundos sem dizer uma única palavra, apenas observando cada traço daquele rosto masculino, confirmando que sim, Zoro era muito bonito.

— Gosto de seu sorriso… — Sanji disse baixinho, percebendo que foi um elogio genuíno.

Zoro continuou lhe encarando, com um sorriso pequeno nos lábios, como se estivesse vendo a coisa mais interessante do mundo em sua frente.

— Me dê seu celular, Sanji.

O corpo do loiro gelou completamente, enquanto seu sorriso morria aos poucos. Naqueles pequenos minutos flertando, Sanji esqueceu completamente que Zoro era um ladrão.

— O-o que?

— Seu celular.

O loiro suspirou nervosamente, enquanto direcionava suas mãos trêmulas até a mochila, abrindo-a e tirando o Iphone de dentro, entregando-o para Zoro em seguida. Encolheu-se derrotado no seu banco, abraçando sua mochila. Ele preferiu fazer o que era dito sem contestar, afinal de contas, ele não queria irritar um homem armado.

Quando menos percebeu, Zoro estava levantando, enquanto o ônibus parava; Sanji encolheu-se mais ainda, enquanto pensava nas faturas que ainda não foram pagas.

— O que foi, loiro? Já desistiu de mim?

Sanji olhou para o moreno, vendo o mesmo sorrir ladino.

— N-não, eu…

— Tome.

Estendeu o celular para o loiro, que pegou sem pestanejar.

— Meu número está aí. Me ligue se…

Fez uma pausa apenas para puxar a arma em sua cintura e apontar para a frente, causando uma histeria imediata no recinto.

— …um homem armado não lhe assustar — completou, piscando para Sanji por fim.

E então anunciou o assalto, roubando cada um naquele lugar, com exceção de Sanji.

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