Capítulo 14 - Ohm

145 29 2
                                    

Ele me coloca no chão e eu não consigo parar de sorrir, não acredito que ele me trouxe até aqui voando!
Eu olho em volta e devemos estar a uns três quilómetros da vila.
- Porque você parou aqui?
Ele fecha os olhos e as suas asas somem, vai atrás de mim e abre a mochila nas minhas costas.
- Não sei se seria bom eles verem um anjo chegando.
- É verdade, não tinha pensado nisso.
Ele me beija e começa a andar enquanto veste a camiseta.
Adoro ver a tatuagem das suas asas, elas ocupam praticamente toda as suas costas e é tão rica em detalhes que quando ele se move as asas parecem estar prestes a se abrir.
Ele termina de vestir a camiseta, para e vira pra mim.
- Tudo bem?
Eu sorrio e vou até ele.
- Tudo bem, eu só estava apreciando a vista.
Quando nós chegamos ao portão da vila o meu bisavô está parado nos esperando. Apesar dos seus quase novecentos anos, ele ainda tem uma aparência de cinquenta ou sessenta anos. Eu vou até ele e o abraço.
- Senti a sua falta, biso!
Ele dá risada e bate nas minhas costas.
- Eu também, ratinho!
Eu acho que ele nunca vai parar de me chamar assim. Ele dizia que eu parecia um ratinho aprontando e correndo pela vila quando era criança, quando eles viam que eu estava em um lugar eu já tinha passado por eles correndo rápido como um rato.
Ele se afasta, olha pra mim e acena.
- Você parece bem.
- Eu estou, biso.
Ele olha atrás de mim e fica sério.
- Esse é o anjo caído?
Eu olho para o Nanon e sorrio.
- Na verdade, ele voltou a ser um anjo.
O meu bisavô olha para o Nanon surpreso.
- Isso é possível?
O Nanon da de ombros e responde sério.
- Nunca soube que era possível, mas aconteceu.
- Como?
Ele me olha por um momento e sei que está considerando o que pode contar.
- Ele foi jogado do alto de um prédio, eu pulei atrás e rezei para deus o salvar, então ele me devolveu as minhas asas.
Mais uma vez o meu bisavô olha surpreso.
- Acho que temos muito para conversar.
- Temos sim.
- Vamos entrando então, eu sou muito mais velho do que apararento, ficar em pé por muito tempo é cansativo.
Nós concordamos e acompanhamos ele, eu acho que ele vai nos levar até a biblioteca, mas ele vai para a sua casa, poucas pessoas estão na vila esse horário, a maioria está cuidando da plantação ou da mineração. A maior parte da nossa renda vem da venda dos rubis e safiras das nossas minas, foi assim que a vila cresceu e prosperou ao longo dos anos.
Entramos na casa, o meu bisavô pede para sentarmos e vai para a cozinha, quando volta trás uma chaleira e algumas xícaras, serve chá para nós e senta.
- Vamos do começo, como vocês se conheceram?
Eu acho que o começo é um péssimo ponto de partida, olho para o Nanon que pega a xícara de chá e olha para o meu bisavô.
- Posso perguntar uma coisa antes? O que você sabe sobre a lenda da luz?
O meu bisavô olha pra mim e eu tento não reagir.
- Ele não me contou, eu descobri sobre a lenda por acidente.
Ele olha para o Nanon e para mim.
- A lenda diz que em algum momento da vida nós vamos encontrar alguém com a luz divina, uma energia especial que emana bondade, pureza e amor.
- Você conheceu alguém que encontrou a luz?
- Três pessoas, as três morreram.
- Você conheceu as pessoas com a luz?
- Não.
O Nanon acena e olha para mim.
- Eu vou te contar a nossa lenda, que eu acho que é o motivo para o que aconteceu antes, foi o motivo de eu ter ido até o Ohm.
Eu não achei que ele fosse contar, isso pode ser muito ruim, mas também vai ajudar os nefilins a entenderem um pouco mais sobre as próprias lendas.
- Quando um anjo é expulso do céu, ele não consegue mais entrar, dizem que as portas do céu só ficam abertas para os puros de coração.
Ele para e olha para o nada por um tempo, então volta a falar.
- Existe uma lenda de que o coração de um nefilim é a chave para um anjo caído retornar para o céu.
- O coração?
- Sim.
O meu bisavô fica e silêncio pensando sobre o que ouviu.
- Porque você acha que isso tem relação com a lenda da luz?
- O Ohm consegue ver a minha luz, a minha essência. Eu acho que é o que vocês veem, a essência de um anjo.
- Mas eu não vejo nada.
- Talvez tenha realmente que existir alguma ligação entre os dois para o Nefilim poder ver.
- Você acha que as pessoas de luz eram anjos caídos que pegaram o coração dos nefilins?
- Eu acredito que a coincidência entre os encontros e as mortes devem significar algo.
- Foi assim que vocês se conheceram? Você queria o coração dele?
O Nanon não responde, mas nem é necessário, a resposta é óbvia.
- Porque você está aqui?
- Vocês devem saber sobre o perigo que é para um Nefilim estar lá fora, por isso se isolaram aqui. O Ohm está em perigo, eu preciso do máximo de informações que conseguir para poder proteger ele, as minhas pesquisas não me levaram a lugar nenhum, então eu gostaria de consultar a sua biblioteca.
- Que tipo de informação você precisa?
- Você sabe alguma coisa sobre a lágrima de um anjo?
O meu bisavô olha para ele surpreso mais uma vez.
- Acho que sobre isso eu tenho algo melhor do que um livro. Fiquem aqui, eu já volto.
Ele sai e eu olho para o Nanon.
- Tem certeza que vai contar tudo para ele?
- Ele só vai confiar em mim se eu for sincero.
Eu suspiro e concordo, ele toca o meu rosto e me beija.
- Vai ficar tudo bem, eu prometo!
Eu concordo e ele me beija novamente, quando escutamos a porta abrindo nos afastamos. Olho para a porta e me levanto.
- Tia Meg!
Eu vou até ela e abraço, a tia Meg é a curandeira da vila, está com a gente a mais de três seculos. Me afasto e viro para o Nanon que está com uma cara muito séria, a tia Meg sorri para ele.
- Olá anjo!
- Bruxa.
Eu olho para a tia Meg e me afasto mais, o Nanon, segura a minha mão e me puxa para trás dele. Percebo que tanto o meu bisavô quanto a tia Meg parecem surpresos com o que ele fez.
- Não se preocupe anjo, eu jamais faria mal a ele.
O Nanon não fala nada e também não relaxa, o meu bisavô da um passo a frente ficando entre eles.
- Ok, vamos conversar, sentem!
A tia Meg senta, o meu avô olha para nós, eu decido sentar e puxo o Nanon para sentar ao meu lado, ele senta bem perto e segura a minha mão, o que não passa despercebido pelos outros. O meu avô senta também e fala.
- Meg, ele perguntou sobre a lágrima de anjo.
- Porque você quer saber?
- Chame de curiosidade.
Ela acena e sorri.
- Lágrimas de anjos são muito raras, então pouco se sabe sobre elas, mas elas são usadas para proteção, são os melhores escudos que existem no mundo.
- Protege contra o que?
- Qualquer coisa que não seja física, maldições, magias, qualquer coisa sobrenatural.
O Nanon olha para mim e para ela novamente.
- Como selar uma lágrima de anjo?
A tia Meg olha para mim surpresa e quando eu percebo o Nanon está segurando ela pelo pescoço no ar, mesmo assim ela está sorrindo.
- Você chora anjo?
Ela começa a tossir e o meu bisavô vai até eles.
- Solta ela.
O Nanon pressiona mais, então solta derrubando ela no chão.
- Ataque ele novamente e eu te mato!
A tia Meg levanta massageando o pescoço.
- Era uma magia de cura anjo, não ia fazer mal a ele, eu só queria testar o escudo.
Ele se afasta e senta novamente ao meu lado, segura o meu rosto e faz eu olhar pra ele.
- Você está bem?
- Estou.
- Você ama ele...
Nós olhamos para a tia Meg que parece realmente surpresa dessa vez.
- Um anjo que ama e chora, eu nunca vi nada assim antes!
- A lágrima, bruxa, como selar?
- Um feitiço simples consegue selar a proteção da lágrima.
- Porque precisa ser selado?
- Como aconteceu? O que te fez chorar? Como a lágrima consumida? Essas coisas fazem toda a diferença.
Ele olha para mim mais uma vez .
- Porque você chorou, anjo?
- Eu achei que tinha perdido ele.
- Você chorou por ele?
O Nanon concorda e eu sorrio.
- Eu peguei a sua lágrima e coloquei na boca.
- É por isso que a proteção é tão forte. Eu nunca ouvi falar de um anjo que chora por amor, sempre foi sobre tortura ou sofrimento, então a proteção era fraca, não tenho certeza nesse caso, talvez nem seja necessário selar, mas vamos fazer para garantir.
Ela levanta e vem na nossa direção, o Nanon levanta e fica na minha frente.
- Você quer ou não o selo, anjo?
Ele olha para mim por alguns segundos então dá um passo para o lado.
- Vem aqui, ratinho, eu não vou te machucar.
Eu levanto e ela aponta.
- Tira a camiseta.
Eu tiro e ela olha para o Nanon.
- O selo é feito com sangue, quer usar o seu?
O Nanon olha para mim e de repente corta o pulso com a unha.
- É melhor ser rápida, não vai durar.
Ela sorri e pega o sangue com o dedo e começa a desenhar no meu peito, quando para eu olho para a mão do Nanon, mas ele já está cicatrizando. A tia Meg fala algumas coisas em uma língua que eu não entendo, o meu peito brilha e o desenho some.
- Agora a lágrima vai proteger ele para sempre.

A lendaOnde histórias criam vida. Descubra agora