Perdida em pensamentos

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Ela era uma mulher de boa índole, buscando acreditar que dias melhores chegam após intermináveis tempestades a levando por um caminho tortuoso de desesperança e questionamentos. Um dia, quando no meio de tanto tormento conseguiu olhar para si, notou as marcas do tempo que sem cuidados começaram a ficar gravadas em pequeninas esferas de velhas espinhas que incomodaram na adolescência. Linhas escurecidas em um ponto da barriga que agora, saltavam chamando sua atenção para as possíveis novas estrias em um ponto que jamais tivera. Subir na balança tornou-se um tormento sem fim, principalmente ao desejar com tanto afinco diminuir o peso dos seios que a deixam curva, talvez por isso nesse pequeno momento do qual as coisas finalmente se acertavam como um alinhamento astral, Joana se sentia tremer desde os dedos dos pés até os dedos das mãos. Entre as cadeiras metálicas de um hospital público, com o ar condicionado fazendo um esforço descomunal para amenizar o calor de várias pessoas e a porta aberta exibindo o sol deslumbrante às oito horas da manhã causando uma sensação térmica de trinta e nove graus. Descendo os olhos para as unhas roídas e os chinelos gastos, mordeu o lábio que começa a ficar rachado, agradecendo por essa benção. Fora difícil encontrar uma boa médica no postinho de saúde do seu bairro, uma mulher inteligente e perspicaz que logo percebeu a necessidade de Joana em ter um acompanhamento psicológico, anotou seu nome em um caderninho e conseguiu encaixa-la num grupo de terapia com psicóloga, um colega psiquiatra aceitou consultá-la no grupo de estudos dos alunos da faculdade. Agora, Joana consegue tratar sua ansiedade e depressão, foi um passo imenso que só conseguiu alcançar graças a Doutora Luana, a mesma ainda fez seus encaminhamentos para o ginecologista, cardiologista devido aos históricos médicos e seu medo de desenvolver pressão alta com tanto estresse e o que lhe dava maior medo a mamoplastia. Erguendo os olhos para uma das telas instaladas no lugar para as senhas que iriam ao guichê antes de começar a ser chamado aos consultórios. Joana pegou o fone de ouvido colocando as músicas favoritas, tentou ler alguma coisa em um dos vários aplicativos que usa para viajar por mundos distintos, mas não conseguiu se concentrar em nada. Relembrou do quanto ter seios grandes foi seu único ponto de autoestima durante a adolescência. As meninas não gostavam da sua companhia, achavam ela masculina demais, afinal, não sabia usar maquiagem e nem procurava muito por isso, estava a dois anos adiantada. O que para as meninas daquela idade era interessante, Joana ainda não tinha interesse, preferia gaziar as aulas de dança para assistir cavaleiros do zodíaco numa antiga televisão tubão que ajustando certinho a antena, poderia pular rapidamente dos ratinhos viajantes na tv cultura para o canal bandeirantes e cantar a plenos pulmões a abertura de um dos seus desenhos favoritos. Lembrava de escutar e ignorar os gritos da mãe que a chamava para ir à aula de dança, às vezes se sentia culpada pois se talvez tivesse ido, talvez sua autoestima não fosse tão baixa. Do outro lado da sala de aula os já rapazes viam a garota com seios crescentes e por sua jovialidade a inocência da idade uma maneira de a deixar sempre a flor da pele, em um momento estavam rindo por seu cabelo ser volumoso e ela nunca conseguir ajeitar, era assim desde que conseguirá se livrar dos penteados que a mãe fazia, no outro momento eles se aproximavam fazendo amizade para roubar toques que aos olhos dos professores eram indecentes,mas, eles não faziam nada para proteger Joana só sabiam comentar pelos cantos do colégio e recriminar tudo relacionado a ela. Chegou um momento em que Joana detestava ir para o colégio, tinha medo dos colegas, não se sentia bem perto das meninas e piorava ao perceber ser constantemente perseguida pelos professores que a expulsaram da sala por qualquer motivo, mesmo que continuasse sendo uma das melhores alunas em seus piores dias. Suas notas sempre foram acima da média e sua paixão desenfreada pelos estudos era alimentada por uma mãe exigente que via nela alguém perfeito, seu tio lhe enchia de livros o que passou a ser um refúgio diante das circunstâncias da adolescência. O som alto da voz computadorizada acordou Joana para viver a realidade dos vinte e cinco anos, sedentária como constatado no postinho de saúde obesa de grau I e com ovários policísticos que precisam de tratamento, iniciando com a mudança de hábitos. Pelo menos foi isso que Luana falou sobre melhorar os sintomas da doença já que é algo crônico. Suspirando, Joana retorce os dedos de novo, faltam cinco pessoas para sua vez, as mãos tão trêmulas fazem ela se perguntar como consegue desenhar casas projetadas, dando vida a pequenas construções no papel antes de ir para o computador é como uma garantia para esse toque perfeccionista gravado sob sua pele.Decidiu ainda jovem que fugiria do colégio seguindo os passos do tio e ingressando na escola técnica, seu medo por necessitar ser sempre perfeita a fez se candidatar para o curso mais concorrido, na época sem cotas era uma vaga para cinquenta pessoas, uma disputa acirrada. Entretanto, os aplausos dos pais que foram tentar conseguir uma vaga na lista de espera ainda ecoavam em seus ouvidos, ela ficará em 51 de 50. Sua mãe naquele dia parecia explodir tentando segurar o choro. Ao desviar os olhos das mãos, Joana acompanhou um médico dando instruções a uma senhora, acompanhando um familiar deitado numa enorme maca metálica com a perna cheia de pinos. Ela se lembrou de quando começou a estudar para o vestibular, bem antes dos colegas incentivada pelo tio, comentou sobre medicina e recebeu a resposta: "Medicina é difícil demais Joana, vai tentar isso para quê?" Um tempo depois lembrava de ter conversado com a mãe e dito que tinha dúvidas entre prestar vestibular para medicina ou engenharia e sua mãe lhe respondeu: "Medicina demora demais para dar dinheiro, melhor fazer engenharia." Agora, formada em engenharia civil com técnico em edificações, guardava aquela pergunta embaixo de sete chaves como um segredo horroroso, como teria sido sua vida se tivesse estudado e passado para medicina? Não sabia responder, se levantou indo para o guichê desejando bom dia e pegando sua ficha para o consultório, sua pergunta interna seria sempre algo no fundo do coração. Voltando para cadeira de ferro com o olhar baixo como de costume, esbarrou em algo, ao erguer os olhos precisou ajustar os óculos em cima do nariz para não abrir um enorme sorriso. Era assim, Joana se amaldiçoava por ter as piores reações em momentos de nervosismo. O olhar sério e preocupado do homem mais lindo que já viu na vida estava se transformando em algo entre humor e curiosidade, ótimo, mais uma vez estava sendo feita de tola por homens. "Você está bem?" Foi então que teve a certeza de que ele já havia falado com ela antes. "Doutor Frederico, precisamos do senhor aqui." Joana olhou para o lado encontrando um olhar sério na sua direção, a mulher de fios loiros cacheados e alta abriu um sorriso após descer e subir o olhar exatamente como suas colegas do colégio faziam. A sensação de um tapa no rosto seria menos dolorosa nesse momento, Joana abaixou os olhos falando baixinho"Desculpe." Desviou do homem mais lindo que já viu na vida , encontrou o olhar sorridente de um homem usando roupas cinzas com as mãos algemadas e acompanhado por dois guardas, com medo desviou o olhar e se apressou em ir para uma cadeira mais distante querendo ficar escondida de qualquer atenção.Ela ainda não sabia que em um único dia havia sido o palco de atenções distintas que fariam sua vida mudar completamente.

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⏰ Última atualização: Oct 29, 2023 ⏰

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