Louco? Quem? Eu?
Num canto de seu exílio, a insanidade insiste em tomar-lhe os últimos momentos de lucidez, mas mesmo assim ele reage, chora e grita:
– Louco? Quem? Eu?
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– Doutor, penso que é melhor dar-lhe o sedativo, colocar a camisa de força e deixá-lo no quarto acolchoado.
O médico, de olhar fundo e nariz proeminente concorda:
– É, acho que é o jeito. Mantenha-o em observação pelo menos até amanhã no almoço.
– Perfeito doutor, pode deixar que eu cuidarei pessoalmente.
– Então até amanhã.
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O Sanatório Lar dos Campos Silvestres, também conhecido pela vizinhança como Sanatório Lar dos Lelés, já tivera sua época de pompa, com ilustres hóspedes (assim eram chamados os pacientes com dinheiro, na década de cinquenta).
Os quartos pareciam mais ricos aposentos de hospedarias serranas, a cozinha digna de um hotel de luxo. Porém com o passar dos anos e a tomada de seu controle por um órgão governamental, transformaram-lhe no que é hoje.
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João sentiu uma coceira na cabeça. Meio zonzo tentou levar a mão, mas não conseguiu. O que estava acontecendo?
Forçando os olhos e a mente a acordar, balançou a cabeça, percebendo que estava imobilizado por algo parecido com um blusão, com correias e fechos. Quis soltar-se, mas seu esforço foi inútil.
Arrastou-se sobre o piso, revestido de colchonetes presos entre si, encostando na parede, também acolchoada do mesmo modo.
O teto era de um cinza estranho, indefinível, com uma única lâmpada pendente no centro. Uma robusta porta de ferro com janelinha encerrava o sombrio aspecto do quarto.
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Ele olhava a lâmpada.
A bolsa no oriente caíra. Nova reunião do grupo dos países ricos.
João continuava olhando a lâmpada.
O Congresso adiou a votação. Novo escândalo na previdência.
João dormiu.
O verde do gramado estendia-se por quilômetros, imensos canteiros de flores multicoloridas.
João sonhava.
Países no Golfo se enfrentavam, mais uma criança pequena morria subnutrida.
João abriu os olhos. Desperto, chorou.
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– Bom dia doutor.
– Bom dia Jorge, como está nosso paciente?
– Foi medicado nos horários estabelecidos. Manteve-se calmo a maioria do dia, gritando um pouco à tarde, mas logo parou.
– E a alimentação?
– Almoçou feito uma criança, comida na boca. A noite não quis o jantar. Hoje cedo pediu só água. O doutor acha que já podemos tirar a camisa de força?
– Não, ainda é cedo para isso. Bem, já vou indo.
– Até amanhã.
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João, sentado com as costas na parede, sentia o gosto horrível da medicação.
– Estranho, não tenho fome. Parece que fora minha mente, nada mais em meu corpo funciona.