Prólogo

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Já é noite e eu permaneço na mesma aflição desde o começo do meu dia, mais especificamente às 4h48 da manhã, quando acordei com o peito sendo esmagado por uma ansiedade descomunal. Era como se cada célula do meu corpo pudesse sentir que algo ruim estava prestes a acontecer a qualquer momento. 

A noite anterior foi quase igual a todas as sextas-feiras que passamos juntos; Rodrigo veio para minha casa à noite, logo após o trabalho, e nós fizemos o que sempre costumamos fazer. Pedimos lanche, assistimos ao meu filme favorito, depois passamos a noite conversando sobre diversos assuntos enquanto Rodrigo tocava uma música ou outra no meu violão que ele mesmo afinara para usar. Ao cansarmos, ele deitou-se comigo e me fez carinho até que eu pegasse no sono. Estava tudo quase igual a sempre.

Até que aquela madrugada ficou fria demais, e quando deslizei as mãos sobre a cama notei que Rodrigo não estava mais nela. Acordei em um sobressalto, procurando pelo quarto alguma pista de que ele ainda estava em minha casa e que talvez apenas tivesse levantado para ir ao banheiro ou quem sabe tomar um copo d'água, mas a minha inquietação e a ausência de seus pertences pelo quarto me fez perceber que não, ele não estava mais lá. Imediatamente tateei o meu celular ainda sonolenta e selecionei direto o atalho que eu mesma coloquei para ligar para ele de forma mais rápida. 

A ligação caiu direto na caixa postal. Liguei mais algumas vezes até que desisti e resolvi olhar as notificações em busca de alguma possível mensagem do que poderia ter acontecido para ele sumir da minha casa no meio da madrugada. 

"Meu amor, recebi uma ligação do meu irmão precisando da minha ajuda. Ele estava voltando de uma festa e ficou preso em uma blitz, o carro foi levado por conta da documentação atrasada. Estou indo lá buscá-lo, vou deixá-lo em casa e volto antes de amanhecer para acordar do seu lado. Te amo, princesa."

Ao contrário do que eu esperava, sua mensagem não me confortou ou sequer acalmou a aflição no meu peito, mas ainda assim, tentei me deitar novamente e esperar um pouco mais. 

Ele disse que voltaria, pensei.

Deu 5h. Deu 6h. Amanheceu, e Rodrigo ainda não havia chego, e muito menos eu havia conseguido sequer cochilar. Foi quando resolvi ligar para seu irmão em busca de alguma notícia, mas também caiu direto na caixa postal. Depois de alguns minutos de angústia, a minha mente tentou me convencer de que eles poderiam estar apenas dormindo. Rodrigo pode ter ficado cansado e decidido dormir em casa ao invés de voltar para cá.

Ele avisaria, minha consciência alertou.

Eu estava prestes a ligar para minha sogra e atrapalhar o seu dia de folga às 6h27 da manhã, mas antes de eu tomar a decisão, ela pareceu sentir a minha aflição e ligou para mim primeiro, e eu atendi no primeiro toque.

- Ayla, minha filha. Tudo bem? Desculpa ligar a essa hora, mas é que estou tentando falar com o Rodrigo e o celular dele só dá na caixa postal. 

- Ele não está aí? - pergunto, ansiosa.

- Hum, não. Ele veio aqui trazer o Henri mas disse que voltaria para sua casa. Ele não está com você?

Minha garganta deu um nó e naquele instante todos os sinais que meu corpo deu desde que acordei pareciam fazer sentido. Alguma coisa havia acontecido, eu sabia. 

- Estou indo para aí. - respondi, e desliguei a chamada sem esperar pela resposta.

Eu apenas levantei da cama, fiz minhas necessidades matinais o mais rápido que pude, vesti a primeira roupa que encontrei e saí de casa as pressas em direção a casa do meu namorado.

Desde então, é aqui que me encontro, com apenas uma refeição no estômago desde as 5h da manhã quando acordei e não consegui mais dormir com aquela sensação ruim que me sufocava. A cada hora, minuto ou segundo que passamos sem notícias a preocupação aumenta e o medo do que pode ter acontecido só cresce dentro de cada um presente nessa sala.

Estamos todos aqui, eu, seu irmão, seus pais e alguns amigos mais próximos que se prontificaram a ajudar na busca por qualquer que fosse a informação sobre Rodrigo. 

Até que a informação enfim chega. 

O telefone da minha sogra toca, e tão aflita - talvez até mais - que eu, ela não hesita em atender no mesmo segundo. Todos a olhamos em expectativa ao mesmo tempo em que cada olhar presente, até mesmo os mais otimistas, carregam uma inquietação e uma apreensão notável. Eu permaneço atenta a cada detalhe da conversa, incapaz de ouvir a voz do outro lado, mas em alerta para cada palavra que ela diz. Ela confirma ser sua mãe. Confirma o modelo e a placa do carro que Rodrigo dirigia e desanda a chorar. Seu Angenor, pai de Rodrigo, a acolhe, ainda sem saber o que havia sido dito, mas talvez já prevendo o que estava por vir.

- Ele se foi. O meu menino se foi. 

Ela diz, aos prantos. A voz trêmula, o rosto pálido e o corpo enfraquecendo a medida que os segundos se passavam depois daquela notícia. Meus olhos estavam fixos em um ponto inexistente na sala e enquanto todos começavam a chorar ou esboçar qualquer tipo de reação, eu permanecia imóvel, sem conseguir me mexer ou sequer falar. Minha cabeça doía, uma angústia tomou o meu peito paralisando pouco a pouco a minha respiração. Eu fiquei esperando alguém dizer que era mentira, que havia sido engano, que era só mais uma das loucuras em que o Rodrigo se metia e que já já ele passaria por aquela porta, mas ninguém falou, e ele não voltou. Minha mente não conseguia pensar na possibilidade daquilo ser verdade, como se fosse só uma fantasia da minha cabeça, mas foi quando eu vi seu Angenor, aquele homem turrão e forte que não demonstrava muito seus sentimentos, gritar aos prantos pelo nome de seu filho que a minha ficha caiu. O meu peito doeu de forma que eu nunca havia sentido antes, a falta de ar se intensificou, o meu corpo enfraqueceu e a minha vista ficou turva em meio as lágrimas que desciam sem que eu pudesse controlar. O meu amor, o meu Rodrigo havia partido e eu sentia que parte de mim estava indo junto com ele. 

Naquele momento, eu sabia que a minha vida nunca mais seria a mesma.

Não se esqueça de mimOnde histórias criam vida. Descubra agora