houve um momento em que o relógio parou pra mim. eles me disseram que você estava morto. na hora eu não acreditei. você? tão lindo, dono do sorriso brilhante que eu amava. do rosto e corpo que eu idolatrava. da voz que me aquecia, da pele macia que me lembrava de algodões doces e tudo o que existe de mais aconchegante no mundo.
seria possível que tudo isso tivesse acabado? num piscar de olhos, poderia tudo o que compunha você, tudo o que você era, ter morrido? você nunca pensaria de novo? nunca sorriria pra mim de novo? então eu nunca mais ouviria a sua voz chamando o meu nome, seus olhos derretendo de amor enquanto me encarava?
você, o meu amor, não existia mais? todas as suas memórias, todos os seus sonhos, teriam então se tornado um completo nada? eu não pude me conformar. a morte sempre me assombrou, você sabia. tudo o que a envolve. eu sempre fui do tipo desprezível que remoe tudo. a maioria das coisas não passa batido por mim.
me dei conta, então, de que seu corpo apodreceria. ele ficaria rígido, sua pele cinzenta e fria, nunca mais quente, nunca mais suave e morna como um dia calmo de verão. coisas ruins e até mesmo nojentas aconteceriam com você porque seu coração nunca mais bateria. os animais da terra te comeriam até que você se tornasse nada, apenas mais um amontoado de ossos como vários outros. o corpo que eu amei. que eu abracei, que eu acariciei, que eu adorei com todo o meu coração. como pode ser justo que isso tenha acontecido com você?
você, de todas as criaturas, deveria ter podido viver pra sempre. sua pele e tudo o que você era deveriam perdurar por séculos, nunca maculados, nunca violados pelo ciclo das coisas e pela morte.
eu não consigo respirar. eu quero falar com você. quero te ver de novo. eu quero me lembrar da sua voz, do seu perfume, de como era tocar você, de como era estar com você. quero me lembrar de tudo. você está morto e o tempo está levando tudo o que eu mais amava sobre quando você não estava, pra longe. se não fosse pelos vídeos, pelas memórias gravadas e fotografadas, até mesmo o pouco que restou de quem você era seria tomado gradativamente de mim. nublado de minhas memórias.
eu sei que não consigo existir sem você. eu nunca tive certezas sobre o que vem depois da morte. como eu poderia, se ninguém pode me contar nada sobre como é? nem mesmo você pode me dizer como foi morrer. mas eu me pergunto se tudo acaba por aqui mesmo. uma parte de mim se agarra a expectativa tola de que você pode estar a minha espera em algum lugar qualquer em outro plano. não necessariamente um paraíso. a verdade é que eu não ligo pra onde, desde que seja com você.
eu estou observando a vista agora. nesse lindo amanhecer, sinto a minha mente anestesiada enquanto observo os tons variados de azul, amarelo e laranja. essa visão não me enche os olhos porque eu sei que você não está aqui para aproveitá-la comigo. ela não me faz feliz porque eu sei que você não pode vê-la. você não pode mais ver nada.
espero que exista um paraíso. deus, eu espero que exista qualquer coisa. qualquer lugar onde você possa existir. e que nesse possível limbo você esteja esperando por mim, porque sinceramente, amor, não tenho forças pra continuar. e acho que não quero.
sentada nesse parapeito, as pernas balançando ao ar, eu fecho os olhos e me agarro ao tipo mais mórbido de esperança.
espero estar com você em breve.
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o tipo mais mórbido de esperança.
Romancenão sei. acho que eu estava me sentindo melancólica.