Capítulo 2

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A primeira coisa que se via ao entrar na nossa casa era um retrato do meu irmão. Estava pendurado bem na frente da grande porta de vidro, logo acima do aparador de madeira e do vaso chinês onde meu pai deixava os guarda-chuvas. Mas seria compreensível se um visitante jamais notasse esses outros objetos. Assim que visse Jay, não conseguiria tirar os olhos dele.

Embora compartilhássemos os mesmos traços (cabelo escuro, pele morena, olhos castanhos quase pretos), ele os ostentava de uma maneira completamente diferente. Eu era comum, meio bonitinha. Mas Jay - o segundo com esse nome em casa, pois meu pai também se chamava assim - era estonteante. Já tinha ouvido o compararem com tudo, de antigos astros do cinema a personagens da ficção. Eu tinha certeza de que, quando criança, meu irmão não se dava conta da atenção que recebia nas filas dos supermercados e correios. Me perguntava qual teria sido sua sensação ao compreender de repente o efeito de sua aparência sobre as pessoas, especialmente as mulheres. Era como descobrir um superpoder, algo empolgante e assustador ao mesmo tempo.

Antes de tudo isso, porém, ele era apenas meu irmão. Três anos mais velho, a cama com lençóis azuis de personagens de videogame que contrastava com as fadas do meu lençol rosa. Eu basicamente o idolatrava.

Como poderia ser diferente? Ele era o rei do verdade ou desafio (e sempre escolhia a segunda opção, naturalmente), o corredor mais rápido da vizinhança, a única pessoa que conseguia ficar de pé no guidão de uma bicicleta em movimento sem perder o equilíbrio.

Mas seu maior talento, para mim, era desaparecer. Brincávamos muito de esconde-esconde quando crianças, e Jay levava a brincadeira muito a sério. Agachar atrás da primeira cadeira com que esbarrasse ou escolher o óbvio quartinho da limpeza? Coisa de amador.

Meu irmão preferia se contorcer debaixo do armário do banheiro, se esmagar completamente debaixo da cama, escalar o boxe do chuveiro e dar um jeito de se segurar no teto. Sempre que eu pedia para me contar seus segredos, ele apenas abria um sorriso e dizia: "Você só precisa encontrar o lugar invisível". Mas só ele parecia enxergar esse lugar.

Treinávamos golpes de luta enquanto assistíamos desenhos animados nas manhãs de fim de semana, brigávamos para ver de quem o cachorro gostava mais (adivinha?), e passávamos as horas sem atividades (futebol para ele, ginástica para mim) depois da escola explorando a área verde atrás da vizinhança. Era assim que eu ainda via meu irmão sempre que pensava nele: com um graveto na mão, caminhando à minha frente por entre o bosque colorido pelo outono. Mesmo quando eu ficava tensa com a possibilidade de nos perdermos, Jay sempre mantinha a calma. A coragem mais uma vez. Uma paisagem plana nunca o atraía. Ele sempre precisava de algum obstáculo para superar. Quando as coisas ficaram ruins para Jay, eu desejava que ainda estivéssemos lá, andando. Como se ainda não tivéssemos chegado ao nosso destino e houvesse a possibilidade de irmos parar em outro lugar.

Eu estava no sexto ano quando as coisas começaram a mudar. Até então, ambos tínhamos estudado na Perkins Day, a escola particular que frequentávamos desde o jardim. Naquele ano, porém, ele foi para o ensino médio. Em poucas semanas, começou a andar com um bando de alunos mais velhos. Eles o tratavam feito mascote, desafiando-o a fazer idiotices tipo roubar picolés na fila da lanchonete ou se esconder no porta-malas de algum carro para sair da escola na hora do almoço. Foi então que a fama de Jay começou de verdade. E logo tomou proporções maiores do que sua vida, maiores do que a nossa vida.

Enquanto isso, quando não era dia de ginástica, eu voltava para casa sozinha de ônibus, depois comia meu lanche sozinha no balcão da cozinha. Tinha meus próprios amigos, claro, mas a maioria deles nunca estava disponível à tarde por causa das várias atividades que faziam. Isso era típico do nosso bairro, Arbors, onde o custo de vida padrão era capaz de bancar qualquer atividade extracurricular, desde aulas de mandarim até dança irlandesa. Financeiramente, minha família estava na média da região.Meu pai, que começou a carreira no exército antes de ir para a faculdade de direito, ganhava dinheiro resolvendo conflitos corporativos. Ele era o cara que chamavam quando uma empresa tinha problemas - ameaça de processo, questões graves entre funcionários, práticas questionáveis prestes a vir a público - e precisava dar um jeito. Não era de surpreender que eu tivesse crescido acreditando não existir problema que meu pai não fosse capaz de solucionar. Passei boa parte da vida sem ver prova do contrário.

Os Bons Segredos (JenKook )Onde histórias criam vida. Descubra agora