Com os fones no ouvido em uma altura que não fosse perceptível os barulhos a minha volta, seguia apressada para ir para o mais longe possível do meu trabalho. Arrumei-os de novo na orelha e coloquei o celular de volta na cintura.
Meus pés caminhavam rápido por aquele calçamento desalinhado, meu cenho franzido em braveza só foi percebido por mim quando minha testa começou a doer. Ultimamente eu estava tão mal humorada e estressada que andava de cara fechada pelas ruas e nem ao menos percebia. Essa era uma mudança que me entristecia, em uma época anterior onde eu era mais leve por estar me descobrindo e achando meu lugar no mundo, de uma hora para outra acumular tanto cansaço mental e físico tem acabado com aquilo que sou.
Não me sinto mais eu, uso máscara o tempo inteiro.
Odeio ficar descontrolada a ponto de deixar que todas essas energias negativas que se acumulam em mim, respinguem nos outros sem que eu perceba no momento. Vivo tão antisocial e sem ânimo que um mínimo sorriso dado, já é comemorado por aqueles que estão a minha volta. Hoje, notando a minha testa doer pelo mal humor, meus ombros caírem pelo peso do cansaço e a respiração ofegante embaixo desse sol escaldante, só me angustio ainda mais e me afogo sempre mais um pouco nesse fundo do poço em que me encontro.
Só senti o impacto tomando o meu corpo e o som de quebrado, de algo caindo no chão. Meus olhos fecharam tentando conter a explosão da bomba que estava prestes a estourar em minhas mãos, meu psicológico não aguentava mais.
Sabe quando seu dia está uma merda e acontece inúmeras coisas para te tirar ainda mais do sério? Em todas elas você só consegue pensar "Era só mais essa que me faltava". Esse dia era hoje, onde tudo que pode e o que não pode, dá errado.
Respirei fundo, me recompondo antes de me deparar com o que de fato tinha acontecido. Abri meus olhos tentando ser paciente e logo fui tomada por uma sensação de que o mundo não existia mais, tudo ficou turvo envolta dela.
Duas orbes, só existiam duas orbes em um castanho claro, misturado com escuro e mel, que me prenderam e me paralisaram em um nível que eu desconhecia. Nunca me vi acorrentada por algo dessa maneira.
Os cabelos estavam cobertos por um pano de cabeça quase como um turbante, era uma amarração tão bonita. Trajava uma saia volumosa com uma blusa e por cima outro pano que amarrava e fazia laço em suas costas, inteiramente de branco, as únicas peças com cor eram seus fios de conta e brajás, de lilás, roxo e dourado, junto com seus brincos decorados com búzios.
Respirei fundo mais uma vez, agora me recuperando do baque.
Eu havia derrubado suas sacolas de pano que estavam lotadas de artigos religiosos, quebrei um frasco de perfume que já espalhava seu aroma por aquela calçada, suas velas coloridas também tinham se despedaçado e ela recolhia tudo sozinha, com muita calma e sem nenhum vestígio de raiva.
Rapidamente me ajoelhei e comecei a ajudá-la, tentando demonstrar que sentia muito, foi nessas olhadas que identifiquei seu piercing de prata.
— Eu sinto muito. — Lamentei baixinho em um sofrimento que realmente me doía.
O piercing de prata, novamente atraiu meus olhos.
— Sinto muito por ter quebrado suas coisas, eu posso pagar por tudo. — Mais uma vez repeti, tendo sua atenção, em calmaria.
Não, eu não podia. Meu dinheiro estava quase sempre contado e mal dava para tudo o que eu precisava. Era só mais essa que me faltava. É claro que eu ia assumir a culpa de algo que eu fiz, mesmo que isso me custasse muito, muito provavelmente meu supermercado do mês ou até mais.
Olhei para o piercing novamente.
O piercing que eu ficava cutucando com o dedo quando estávamos de preguiça esperando o tempo passar e curtindo a presença uma da outra. O piercing de prata que ficava lindo nela.
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Olhos de mar, céu e estrelas - Lésbico.
RomanceElizabeth desde a sua infância tem sonhos questionáveis com pessoas específicas a quem não conhece, mas a medida em que foi crescendo, receber a visita de uma determinada moça por meio dos seus devaneios tornou-se bem mais frequente. Como não podia...