Raramente eu acordava no meio da noite, meu sono sempre foi dos mais pesados. Raramente também tinha pesadelos. Havia pouco tempo que minha gata tinha falecido, ela que eu considerava uma grande proteção espiritual. Nesse dia, foi diferente, acordei no pleno breu do meu quarto, sentindo um pouco de medo, algo que inicialmente liguei à falta que minha gata falecida estava fazendo.
O medo persistiu, assim como a insônia. Fiquei um tempo acordada, pensando na vida, mas sabe quando você tá pensando em algo mas seu peito está apertado de medo? Foi nesse momento que imaginei que seria bom tomar um copo de água na cozinha, talvez ajudasse a me acalmar e conseguir pegar no sono novamente.
Peguei meu celular, olhei o horário, eram 3:27. Levantei, deixei o celular na cabeceira e olhei em direção à porta, que fica próxima ao canto da parede do meu quarto. Antes de dar o primeiro passo, percebi uma figura escura e pequena, agachada no canto daquela parede. Essa percepção foi por um simples movimento, no canto do meu olho, eu vi essa criatura. Pensei ser apenas uma sombra, meu quarto estava muito escuro, e como nunca tive nenhuma experiência sobrenatural e também nunca fui de ter pesadelos, de primeira não pensei realmente ser algo.
Reparei melhor, aquela sombra se assemelhava bem com uma silhueta humana, curvada, exceto que não se tratava de algo escuro, parecia um grande nada, como a ausência de luz, ali no canto do meu quarto. O mais curioso é que aquele era o local exato em que minha gata costumava ficar à noite. Sempre estranhei essa escolha que ela fazia de dormir por ali, já que meus outros gatos antigamente preferiam dormir em minha cama, mas ela sempre se manteve naquele cantinho do lado da porta. E hoje, no escuro, ali estava esse ser, e eu, paralisada ao perceber sua presença, não tive coragem de dar mais um passo para seguir até a porta, mas também não era capaz de voltar à minha cama. Simplesmente fiquei ali, parada, em pé, sem saber qual atitude tomar diante daquela situação.
Senti uma brisa que vinha da janela tocar meu braço e logo em seguida tomei um susto. Ao olhar para o lado, percebi que a criatura estava parcialmente levantada, já não estava mais acocorada, mas também não estava ainda em pé. Tive a impressão de que a qualquer momento me atacaria. Fiquei imóvel mais uma vez, entretanto, apesar do medo que havia se apossado de mim, me sentia muito curiosa, alimentando um questionamento de que talvez conseguisse me mexer e chegar na porta antes que ela me alcançasse. Mexi um pouco o meu pé, como maneira de testar se haveria algum reflexo de movimento na criatura, no entanto, ela se manteve imóvel. Olhei para meu pé, mexi ele novamente, quando voltei minha visão para o ser, ele estava completamente em pé, ereto, voltado para mim.
Não sei se consigo descrever bem em palavras a angústia que senti ao encarar de perto aquele ser que agora se encontrava na mesma posição que eu. Não tive mais coragem de fazer qualquer movimento ou tentar qualquer gracinha para testar o que faria, agora eu tinha noção de que estava em uma situação realmente perigosa.
Era como se tivesse parado de respirar, engasgada com o próprio ar que estava acostumada a respirar. Olhei para aquilo, parecia estar me encarando, mesmo não conseguindo exatamente ver um rosto. Por algum motivo, meu celular acendeu, eram 3:33 da manhã. Ao pensar em sair correndo, dei um mínimo passo por impulso, e assim como me mexi minimamente, a criatura também se mexeu.
Diante disso, não conseguia decidir que escolha tomar a partir dali. Deveria tentar alcançar meu celular e ligar para alguém? Ou deveria tentar seguir para a cozinha como faria de primeira? Olhei para meu telefone que se mantinha aceso por algum motivo, 3:33. Era como se os minutos não tivessem passado, mesmo que tivesse certeza de já estar ali há um bom tempo. Me sentia presa naquele espaço de tempo.
Paralisada, meu pensamento não mudava. Minhas pernas começaram a fraquejar, eu estava na mesma posição por muitos minutos, incapaz de me mover. Olhava para aquela criatura com o rosto escondido pelo breu da noite e não conseguia ser capaz de discernir o que aquilo era e o que seria capaz de fazer comigo. E assim, com minhas pernas falhando, tombei para trás, caindo ao lado da minha cama. Olhei para o espaço que havia entre o chão e ela, e vi que logo abaixo do meu colchão, havia outro ser que me observava. Esse estava com o rosto quase colado ao meu. Percebi que apesar de ter me movido e caído ao chão, aquela outra criatura continuava ali, em pé na mesma posição. E lá estava eu, deitada, imóvel, cercada por dois seres repletos de escuridão, que poderiam me atacar a qualquer momento.
Eu olhei, olhei dentro dos olhos daquele que estava deitado ao meu lado. Eram simplesmente duas entradas de luz, dois pontos brancos. Não era um olho parecido com o nosso, simplesmente uma abertura. Mas apesar de toda a simbologia da luz e esse besteirol de que branco é "bom" e preto é "ruim", eu sentia que aquele branco era muito maligno.
Ao olhar de canto de olho para a outra criatura novamente, vi que começava a se movimentar, e logo percebi que estava a caminhar sobre meu corpo. Seus pés possuíam garras que fincavam sobre minha pele, sentia que meu sangue escorria enquanto passava por cima de mim. Estava cada vez mais paralisada e minha respiração cortada, como se me sufocassem aos poucos. Senti ela se agachando sobre mim, chegando próximo ao meu rosto e sussurrando algo em meu ouvido, mas devido toda a tensão, não conseguia sequer prestar atenção em suas palavras, apenas sabia que estava murmurando algo terrível com aquela voz gutural.
Mais uma vez olhei para outro relógio, que ficava debaixo da mesa de cabeceira da minha cama, logo ao meu lado. 3:33. Ainda estava nesse mesmo momento. Tive a impressão de que lá fora começava a ficar menos escuro, perto de amanhecer, e esse horário, tanto no meu celular como no relógio, não mudava.
Apesar de ainda muito assustada, a percepção de que o dia começava a amanhecer me deu certo. Continuei a me manter naquela posição, imóvel ainda, como forma de proteção, da mesma maneira que os animais se fingem de mortos lá estava eu parada, tentando fazer com que aqueles seres pensassem que eu já não estava mais ali. Ele havia parado de sussurrar, mas sua simples presença continuava a me aterrorizar.
Em pouco tempo, o sol começou a se mostrar pela janela. Eles continuavam ali. Era como se nem mesmo com a luz do dia eles desaparecessem, a escuridão continuava existindo dentro deles, como um grande buraco negro em forma de silhueta humana que permanecia em meu quarto. Aterrorizada ao olhar para aquelas criaturas, lembrei de todas as vezes que minha gata ficava assustada ao ficar próxima de mim e como eu nunca percebia o real motivo de seus espantos. Percebi que se alguém me observasse naquele momento, teria a mesma impressão que eu tinha quando via minha gata se assustar com o que, na minha visão, parecia ser nada.
A pressão do meu peito se fazia conforme a criatura que estava agachada em cima de mim me encarava, e ao lado, eu sentia o bafo quente da outra que estava debaixo da cama. Finalmente, a luz entrou no meu quarto, e consegui ver minimamente o que estava me aterrorizando e quase me matando.
Quando a luz tocou nesses seres, eu vi. Eles tinham o meu rosto.
Era o meu rosto que estava naquele buraco negro. Na realidade, não estava, meu rosto era o buraco negro. E assim como vi minha face, me senti ali. Porquê eu sou o meu rosto, eu sou a minha carne, eu era o buraco negro, eu era toda a energia, eu era o que meus gatos estavam filtrando, o que minha gata temia, e o motivo pelo qual ela nunca dormiu comigo. Era eu. Eu era a escuridão.
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A Criatura no Canto
HorrorAo acordar de madrugada, me deparo com uma criatura agachada no canto escuro do meu quarto. Ela ameaça se mexer sob qualquer mínimo movimento que eu faça, tornando minha noite em uma tensão infinita de paralisia. Esse conto foi criado por Gabriel Ga...