CAPÍTULO 51

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      A casa de Raquel é uma graça. Assim como a maioria das construções de Londres, é uma casa antiga, me lembra muito uma casa de boneca que meu pai comprou para mim uma vez que esteve aqui a anos atrás.

   Nós entramos e nos sentamos no sofá. Ela parece estar um pouco desconfortável... Confesso que não era essa a reação que eu esperava.

— O Henrique não sabe que vim até aqui. Eu gostaria de fazer uma surpresa pra ele, queria levá-lo para visitar a mãe e a família, mas não consegui o endereço da mãe dele. O único que consegui foi o seu.

— Ele não vai gostar da surpresa. — Ela me responde ainda parecendo desconfortável.

— Como assim?

— Olha Alice, eu sei que sua intenção é genuína. Mas deveria pedir respostas ao seu marido.

— Estamos juntos a quase quatro anos. Henrique não me contou nada sobre vocês. — Ela dá uma risada sarcástica.

— Ele tem bons motivos para isso.

— Raquel, por favor. Seja sincera comigo... O que aconteceu? — Ela respira fundo e me olha em silêncio por alguns segundos.

— O que você sabe sobre a família dele?

— Só sei que o pai dele morreu e ele foi criado pelo tio, Pedro.

— O tal tio que apareceu do nada na família? — Ela não sabe da história do Pedro, será que devo dizer que o conheço?

— Essa parte eu sei. Pedro foi criado por outra família. Ele fez algumas besteiras e depois que saiu da cadeia foi encontrar sua família biologia. Vocês, no caso.

— Bom, o que você não sabe é que o meu tio Antônio, pai do Henrique, morreu só um ano depois que o tal do irmão desaparecido, o Pedro, chegou. — Sinto meu coração gelar. Será que o Pedro foi capaz de matar o próprio irmão?

— E a mãe do Henrique?

— Minha tia Beatriz era completamente apaixonada pelo marido, e depois que ele morreu ela ficou desolada. A única pessoa que ela tinha, era o Henrique. E assim que ele completou dezessete anos foi morar com o possível assassino do pai dele, Pedro. Deixando minha tia sozinha. — Vejo os olhos dela se encherem de lágrimas.

— E onde ela está hoje?

— Em um sanatório. Como eu te falei, depois da morte do marido, minha tia ficou desolada. Ela nunca mais foi a mesma. Mas, depois do sumiço do Henrique... — Ela respira fundo. — Ela não fala, não sorri, não demonstra emoções. É claro que ela anda, come, dorme, mas nada além disso.

— O Henrique não faria isso... Ele não deixaria a mãe sozinha tanto tempo.

— Olha Alice, sem querer ser grossa... Estão juntos a o que? Quatro anos? Eu cresci com o Henrique. E eu também nunca pensei que ele fosse capaz disso, mas eu visito minha tia todo fim de semana, e eu nunca vi ele lá. Então, sinto muito, mas ele é assim. — Sinto meu estômago embrulhar e minhas mãos soarem. — Você tá bem?

— Posso usar o banheiro?

   Graças a Deus Raquel me mostrou o banheiro a tempo, se não eu iria vomitar todo o meu capuccino no carpete dela... Depois de me recuperar, saio do banheiro e ela está me esperando com um copo de água nas mãos.

— Tudo bem? — Ela me deu o copo.

— Sim. Obrigada. Será que você pode me dar o endereço desse sanatório?

— Eu vou anotar pra você. Só por favor Alice, se for levá-lo para visitá-la, tenha certeza de que ele não vai a abandonar de novo. Não sei se ela resistiria.

— Eu prometo.

   Saio da casa de Raquel com o endereço anotado e mil pensamento fervilhando na minha cabeça... Eu escolhi ficar com o Henrique mesmo depois de saber que ele foi criado tendo como missão causar dor a minha família. Mas, até onde esse amor iria? Eu achei que a única coisa que ele me escondia eu já sabia, e agora descubro mais essa...

    Ao mesmo tempo que penso que tipo de pessoa deixaria a própria mãe sozinha e doente por anos. Também penso no tipo de lavagem cerebral que ele pode ter sofrido. Eu e minha família sabemos bem do que o Pedro é capaz. E se ele fez algo ou armou alguma coisa pro Henrique deixar a mãe de lado? Eu não sei... Sinto minha cabeça pesar com todos esses pensamentos.

   Quando chego no quarto do hotel, vejo Cecília e Henrique brincando com uma paleta de sombras que estava dentro da minha mala. Ele tem as pálpebras pintadas com rosa e amarelo, e ela a boca borrada com um batom rosa.

— Mamãe! Papai me pintou. — Ela veio correndo até mim e eu a peguei no colo.

— Olha só, é um salão de beleza? — Ele sorri para mim.

— Vamos para o banho. Daqui a pouco está na hora do almoço. O que você quer almoçar? — Pergunto levando ela até o banheiro.

— Sorvete.

— É claro que sorvete. — Sorrio para ela.

    Depois que terminamos nosso banho juntas, levo Cecília para o quarto para nos vestirmos enquanto Henrique vai tomar banho também. Visto nela um vestido rosa todo estampado com pequenas flores amarelas, junto com uma meia calça e um casaco, prendo o cabelo, que inclusive já está enorme, com um laço também rosa, e a coloco para assistir algum desenho na televisão enquanto vou me vestir também.

    Fico sentada na varanda enquanto Henrique ainda está no banheiro. Vejo os carros, os prédios. E até agora já consegui contar dois ônibus vermelhos passando... Minhas mãos estão suando só de pensar nessa conversa. Afinal, eu quero mesmo saber a verdade?

— Aconteceu alguma coisa? — Ele surge ao meu lado com o cabelo molhado pós banho.

— Precisamos conversar... — Ele se senta na cadeira de frente para mim.

— Parece pálida.

— Eu acordei um pouco indisposta eu acho... — Respiro fundo. — Bom, vou direto ao ponto. Eu fui ver a sua prima, Raquel. — Ele abaixou a cabeça por alguns minutos e depois se levantou.

— O que você foi fazer?

— Queria te reaproximar da sua família, já que você não fala muito sobre eles.

— E o que te faz pensar que eu queria me reaproximar deles? — Ele fala um pouco mais alterado.

— Eu queria fazer uma coisa legal por você, pensei que ia gostar de vê-los. São sua família.

— Minha família são a minha filha e você!

— Você entendeu o que eu quis dizer... E essa nem é a questão aqui.

— Tem razão! A questão é que eu não te pedi pra se meter na minha vida! Eu não pedi a sua ajuda. — Ele parece ter ficado arrependido no segundo seguinte, mas já é tarde demais.

— Sua vida?

— Alice eu...

— Eu vou levar a Cecília pra comer. Aproveita esse tempo pra pensar na sua vida.

   Pego minha bolsa, chamo minha filha e nós saímos do quarto de hotel.
   Não acredito que ele falou comigo daquele jeito, não acredito que eu armei toda essa palhaçada pra no fim ouvir aquilo!

   Será que eu estou errada? Eu só queria ajudar! Cresci cercada de uma família grande que mesmo com todos os defeitos sempre fizeram de tudo pra me ver feliz, quem não iria querer ter isso?

  Me sento junto com Cecília em um pequeno restaurante na mesma rua do hotel. Peço uma sopa para ela e uma vitamina para mim, espero que consiga beber.

   Henrique sempre foi uma pessoa fechada, exceto com a filha e comigo, é claro. Mas, nas festas de família, viagens, eventos, em vários momentos o percebi sozinho, afastado, e eu nunca entendia o porque. Hoje, mais do que nunca, eu entendo.

PERDIÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora