NÃO SE LEMBRAVA de quase nada do que acontecera em seguida. Estava absorta demais, e seus sentidos pareceram em modo automático.
Conseguia visualizar apenas os olhares perplexos de Havel, Ethan e Rose, as três fadas que a haviam capturado. E a calma de Cora, ao limpar seu rosto grudento de lágrimas e suor, com um lenço perfumado.
Depois, a colocaram em um sofá gasto, e o garoto correu para fora, fazer qualquer que fosse a tarefa proposta pela anciã. Os olhos de Ana — de Anika — caídos e distantes, passearam pelo tapete bordado, pelo lençol de seda em seu colo e pelas mãos trêmulas e pálidas, o bracelete mal preso em seu pulso.
— Beba seu chá, criança. — disse Cora, lhe entregando a xícara em forma de flor.
Ana a pegou, soprando com cuidado. As imagens ainda dançavam por sua mente, agora tão silenciosa, como um livro de histórias que passava as páginas rapidamente. Fechando os olhos com força, ela respirou fundo para não chorar.
— Você está procurando por ela, não é? — a velha falou, parecendo lúcida como nunca, e se sentou ao seu lado.
Ana a encarou, o rosto um retrato da exaustão.
— Você sabe onde ela está? — cada palavra saiu com um gosto amargo, como se estivessem apodrecendo em sua boca desde que saíra de casa, naquela noite chuvosa.
— Eu não sei... — Cora olhou para o horizonte, franzindo o cenho como se tentasse enxergar algo.
A menina mirou na mesma direção, mas nada havia além de uma parede descascada.
— ... Eu não sei se sei. — a mulher disse, por fim, com um suspiro.
Não foi necessário muita análise para que compreendesse, mas a confusão lentamente tomava conta dos pensamentos da fada, como se fosse uma folha seca que se enrugava e retorcia até se desfazer.
Talvez a habilidade de Cora fosse ver o futuro... Ou algo assim. Mas agora, depois de tantos anos, aquilo não passasse de uma pequena migalha de seu poder.
Havel olhou para trás, para elas, enquanto lavava a louça de chá em uma belíssima pia de pedra. Não dissera uma palavra, fosse por não ter jeito ou por vergonha de tê-la tratado como um animal selvagem. Seu cabelo estava quase se soltando do rabo de cavalo, e em seu rosto não havia vestígio de cor. Ana pensou em dizer alguma coisa, mas desistiu. Não sabia, nem mesmo queria.
Soprando o líquido fumegante, ela bebericou o chá perfumado e extremamente doce, mas Cora não tirava os olhos dela. Como se estivesse vendo uma pintura, de repente, começar a se mover e comportar-se como gente de verdade.
A menina colocou a xícara na mesa de centro, os cabelos caindo sobre seu rosto como galhos de salgueiro. Não demorou muito para que Ethan entrasse na pequena cabana, afoito, com Rose em seu encalço.
— Está tudo pronto. — disse, muito sério, sem olhar para ela. — Estão nos esperando.
Cora assentiu, abrindo um sorriso para ela. Então, levantou-se, gesticulando para que a seguisse. Os joelhos de Ana rangeram em dor, conforme a seguiu para um portal coberto apenas por uma cortina quase transparente e adornada com moedas prateadas. Com sua visão periférica, pegou o menino a observando, como se fosse algum tipo de assombração.
No outro cômodo, Rose a esperava com um olhar simpático, tendo nos braços uma pilha de roupas finas e bem passadas. A idosa a deixou a seus cuidados, não antes de parar na soleira e a observar da cabeça aos pés. Como se quisesse guardar consigo cada resquício daquele momento.
☀️
Pouquíssimas vezes Ana havia se sentido em tamanho luxo. Talvez nem mesmo o passeio no carro de Richard lhe tivesse deslumbrado tanto. E, se olhando no espelho ao estar finalmente limpa, ela se sentiu parte da realeza.
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Aurora | Adhara: Deraia - Livro I
Fantasy🏅#1 no concurso Aventuras Literárias 🏅#1 em Capa no concurso Raposa de Ouro Uma história sobre sonhos, reinos mágicos e autoconhecimento. Para Ana Foster, cujo horizonte não se limita à antiga cidade onde vive, todos temos nosso legado. Nossa hist...