Capítulo 11 - Insubstancial

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        Eram três da manhã.

Malditas três horas da manhã.

E Tamlin permanecia imóvel, fitando o teto há cerca de duas horas, concentrado em um único e simples objetivo: dormir. Não deveria ser tão difícil realizar uma necessidade fisiológica básica, literalmente era preciso apenas se deitar e fechar os olhos, mas havia se tornado uma tarefa impossível nos últimos dias. Na maioria das noites ele conseguia pregar os olhos por duas horas antes do amanhecer, mas isso só acontecia quando ele tinha sorte. E Tamlin acreditava ter esgotado toda a sorte que possuía ao encontrar sua parceira. Sendo assim, dormir se tornou algo trivial, afinal se fosse esse o preço a pagar por ter um laço de parceria ele estava disposto a aceitar suas olheiras.

        Se sentando na cama, ele esfregou a ponte do nariz, piscando para se ajustar à luz feérica que tremulou e se acendeu na mesa de cabeceira, desistindo de tentar dormir até as quatro horas. Ao se levantar, jogou a primeira túnica que encontrou por cima da cabeça, a peça caiu larga por seus ombros, com excesso de tecido por todos os lados. "22 quilos", ele recordou enquanto rumava até a cozinha, havia perdido 22 quilos em menos de um ano. Nada mais lhe servia direito, e mesmo que tentasse, não estava tendo sucesso em ganhar seu peso de volta nos últimos quatro meses.

        Ao chegar à cozinha, bebeu um pouco de água, engoliu alguns morangos e se sentou, apoiando os cotovelos na bancada enquanto observava pela a janela o vazio que a madrugada trazia. Cinco meses atrás, estaria nesse mesmo lugar em um estado de pura melancolia, pensando em como sua existência era insubstancial. Contudo, agora, tudo o que ocupava sua mente eram as constantes lembranças de Eostre. Seus pensamentos eram inundados por ela por dias: antes de tentar dormir, ao acordar, durante as cavalgadas até o forte e até mesmo enquanto analisava sua papelada. Tamlin ansiava vê-la o tempo todo, apenas para se certificar de que ela existia e para admirar o fato de que era sua parceira.

        Debruçando-se sobre a bancada, ele continuou a pensar nela e em como era um idiota. Deveria ter se oferecido para mostrar a mansão no primeiro dia, ou pelo menos insistido uma única vez quando ela recusou há cinco dias. Mas não o fez, e agora ela parecia inalcançável, como um oásis em meio ao deserto, uma miragem com tudo aquilo que ele mais desejava sendo facilmente visível, mas nunca podendo ser tocada.

        Ela tinha razão de estar brava. Tamlin sabia como havia agido de maneira grotesca, feito um animal, e se detestava por isso. Havia centenas de outras maneiras de lidar com a situação sem fazer ameaças implícitas, mas ele optou por reprimir tudo o que sentia, escondendo o desconforto e a carga emocional que o assombrava quando aquele cômodo vinha a tona, e lamentava por isso.

        Sua parceira estava certa; ele se comportava mesmo como um animal e não merecia perdão. No entanto, Tamlin estava tranquilo quanto a isso. Não buscava o perdão dela, não o aceitaria mesmo se fosse oferecido. O que ele realmente queria era se assegurar de que nunca mais precisaria pedi-lo. Estava determinado, jurou a si mesmo que quebraria suas próprias mãos se ousasse mostrar um vislumbre de garras para Eostre novamente. Sem dúvidas ou remorso, ele enfiaria o mão no batente e fecharia a porta.

        Tamlin teve uma rápida recordação de seus dedos inertes pelo ferimento causado no Duelo de Sangue. Precisou encostar a bochecha na pedra fria da bancada para acalmar a sensação de angústia que esfriava seu sangue. Apertou as pontas dos dedos, sentindo a dormência que o acompanhava desde então, abriu e fechou a mão, observando, por fim, a cicatriz na palma. Aquele era seu único lembrete de que o laço de parceria era real nos meses seguintes ao duelo. Ele costumava tirar as ataduras toda manhã para se certificar de que a ferida ainda estava lá, provando que tudo havia realmente acontecido. Quando o ferimento cicatrizou o bastante para não precisar mais de pontos, Tamlin fechava a mão com mais força, deixando que a dor o lembrasse. Agora, observava a cicatriz sempre que precisava ter certeza de que Eostre não era apenas um sonho.

𝐂𝐨𝐫𝐭𝐞 𝐝𝐞 𝐏𝐫𝐢𝐦𝐚𝐯𝐞𝐫𝐚 𝐞 𝐋𝐮𝐚𝐫Onde histórias criam vida. Descubra agora