Lembro do passado, das noites acordada sempre depois que ele vinha... Não conseguia dormir. Através da janela, naqueles dias, olhava as ruas vazias e sempre cogitava uma forma de fugir, mas o medo e a insegurança só me prendiam cada vez mais, quase como correntes ficando mais curtas e mais grossas, via-me sem chão. Longe de qualquer amparo... Era doloroso... — 𝐀 voz trêmula e a dificuldade expressam a dor, assim como o olhar.
𝐎 som daqueles passos ainda está aqui, consigo ouvi-los tal como se ainda estivesse naquela noite. A madeira nos degraus rangendo, era velha... Se eu trancasse o quarto, seria pior. Eu tinha dezesseis anos e sabia que, a partir daquela noite, as coisas mudariam. Que ele iria além do que sempre foi, muito mais do que apenas toques. E o pior, o pior era a sujeira. Eu a sentia dentro de mim. Não importava quantos banhos eu tomasse, me sentia um lixo! — 𝐋ágrimas ainda caem com as lembranças. — 𝐓orcia para aquilo ser um pesadelo, pelo menos naquela noite sim, repetia para mim mesma: "acorde, acorde, acorde. Isso não é real, não é real." Debaixo dos lençóis. Até senti-lo ser puxado. Em algum momento, perdi seu trajeto. E aquele que deveria ser meu pai, meu protetor, estava ali, me olhando, desejando-me. A ruindade e malícia nos seus olhos eram a porta para o próprio inferno.
𝐄le veio e, por mais que eu quisesse, não conseguia lutar contra. O medo me dominou, e quem iria aparecer para me salvar? Caso eu gritasse, morreria pelas próprias palavras dele. Quanto à minha mãe... Ela fazia parte disso. Nunca me senti tão exposta quanto naquele momento, os toques asquerosos dele me enojavam, mas eu tinha uma certeza comigo, não perderia minha mocidade com um ser repugnante como ele. E, em meio às lágrimas e desespero, antes dele tentar... — 𝐑espirou fundo, reunindo forças para falar. — 𝐏eguei o abajur que estava ao lado, quase instintivamente e de forma inexplicável, o arremessei com tanta força contra a cabeça dele que o sangue se mostrou iminente em segundos, e ele caiu. A pancada a fez vir até o quarto, algo que gritos não fariam. E ela viu. O viu caído na cama, sem sinais de vida. Eu estava tão assustada e com tanta adrenalina que não conseguia ficar mais ali. E então, ela veio pra cima de mim, como uma louca. Nunca a vi daquele jeito, mas sabia que podia ser assim. Lutamos e, por alguma sorte do acaso, a derrubei e, no processo, ela bateu com a cabeça, ficando atordoada. Aproveitei aquilo para pegar uma roupa e fugir... — 𝐎 choro vem, com os olhos marejados, as lágrimas descem com mais força. E uma angústia surge no peito... — 𝐄u, eu não queria nada daquilo. Nada! Ainda lembro das palavras cruéis que ela disse antes de eu ir. Não sei de onde tirei forças, mas fui embora mesmo com medo, tanto medo que mal conseguia andar direito. E depois, anonimamente, os denunciei e falei onde estavam as fitas. Lembro de quando era menor, eles me gravavam. Como uma forma de recordação asquerosa. Ela foi presa, e eu... Eu sumi. Mudei o meu nome. Me... Me desculpe por não ter sido tão sincera... — 𝐒endo honesta.
𝐃esde aquele dia, tento esquecer tudo isso. É difícil para mim. A cada duas semanas mudava de Estado, de sobrenome e também de emprego. Não foram dias fáceis, mas continuei em frente. Felizmente, consegui me reerguer, concluir meus estudos e agora estou na faculdade, mas ainda há muitas coisas dentro de mim que não entendo. Sombras que preciso lidar, eu acho. E dali em diante, segui sozinha, sendo minha própria companhia até encontrar você.
Aprendi ao longo desse tempo que, não importa o quanto as coisas estejam péssimas, sempre há uma forma de mudar. De contornar a situação. Isso não quer dizer que esteja completamente bem, mas é um começo. E sou grata por isso. E por ter você. — 𝐂ontou Sally para sua amiga.
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𝐒𝐨𝐦𝐛𝐫𝐢𝐚 𝐋𝐢𝐠𝐚𝐜̧𝐚̃𝐨: Escrava do Destino!
FantasyO coração dispara, chega até a doer. Não resta fôlego, apenas trevas... Esta é uma história de dois amantes cujos destinos se dividem ao mesmo tempo em que se encontram. Sally - interpretada por Ester Expósito -, é uma jovem órfã, cujas origens serã...