5 - Faculdade

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Era 13:55 horas da tarde de mais uma segunda-feira chata, e eu subia as escadas do bloco C sem ânimo algum, ao chegar na ultima sala do corredor, desabei ali mesmo esperando o povo chegar e a sala ser aberta para mais uma aula de sensoriamento remoto. Eu até gostava de pensar que era uma ferramenta útil e que estaríamos lidando com imagens de satélites em algum momento para mapeamentos, mas tinha um cado de coisa que eu me perdia fácil.

Sem contar que, pela primeira vez esse ano, estou vindo pra faculdade com a cabeça em marte.

— Ok, aproveita que ninguém chegou e explica isso aí. — sorri ao ouvir a voz de Felipe indignado e me virei pro lado, vendo ele e Mariana se sentarem no chão também.

— Por que disse que ia ta meio desligada hoje? — a pergunta dela me fez lembrar que eu os avisei em nosso grupo do Whatsapp que hoje eu possivelmente estaria com a cabeça nas nuvens e que não deviam se preocupar. Mas como eu digo a eles um motivo?

Piratas ainda são reais em outro mundo, bem diferente desse, seria legal fazer um trabalho de campo por lá, talvez entender como os continentes se dividiram daquela forma e se as ilhas foram partes menores ou formada por vulcões no oceano.

Balancei a cabeça.

— Tive um sonho estranho, e fiquei meio perturbada. Sem falar que... to meio sem bateria social. — recostei na parede atrás de mim. Não menti, eu ainda estava com sono por ter tido sonhos com o povo de One Piece e Piratas do Caribe, acho que essa coisa de piratas em si ta me afetando legal.

— Você podia ter dito isso no grupo ao invés de deixar essa aqui preocupada. — Mari aponta pra uma flor de braços cruzados e cara fechada. Lipe possivelmente queria me bater, se tivesse achado que eu estava mal, e me sinto péssima por esconder algo tão grande deles.

Conheci esses dois no primeiro período aqui na UFF, e fizemos muito trabalhos juntos, de modo que ficamos amigos mesmo sendo bem diferentes, e as vezes quase nos matamos uns aos outros mas somos o único grupo que está dando certo desde o começo. Nossa sala é muito dividida, tem uma galera madura, e uns que não saíram do ensino fundamental, sem falar que a maior parte nem é de Campos, e sim Macaé, Cardoso, Cantagalo, Quissamã, São Paulo e Rio de Janeiro. Alguns grupinhos ainda andam meio juntos, mas outros só se juntam quando precisam, sem falar alguns que fazem parte do CA e parecem turistas.

— Perdão flor, vem cá. — fui abraçar Lipe mas ele tentou me afastar.

— Não toca em mim. — reclamou e eu o abracei mesmo assim. — Chata, oiá que eu ainda te como viva, em garota! Tinha que ser branca... — balançou a cabeça em negação.

O Lipe era o mais novo, dois anos de diferença pra mim, e um pra Mari, mas era como se fosse a nossa mãe. O mais irresponsável, preocupado, e se pudesse adiantar qualquer trabalho mesmo que em duas semanas de antecedência, ele nos fazia dar certo. O apelido de flor veio da Mari, pois o pretinho lindo, alto, magro era uma grande gostosa, tinha um cabelo afro deslumbrante bem armado e lembrava a flor de Dente de Leão. Era um cabelo lindo e ele se matava pra cuidar. O cabelo é a marca dele, ao ponto de quando ele aparecia de tranças, nos dava saudade do cabelão.

— Bate nela mãe. — Mari provoca e eu dou língua pra ela, batendo nela. — Aí mãe, ela tocou em mim, faz algo com essa adotada.

Ela tinha um cabelo preto, curto e bem cacheado, uma fofura que ela também penava pra cuidar, e apesar de ser campista tinha parte da família nordestina. Mari não era muito de contato físico e toda vez que éramos carinhosos ela nos chamava de sebosos. Mas pensa numa garota esforçada e dedicada, que muitas vezes acaba tendo seu jeitinho quieto mal interpretado. Ela era um amor e era engraçado ver como tinha gente que achava que ela estava sempre com cara de brava. Sem querer ela pode ser intimidante ao olhar de desconhecidos.

— Aí! Vocês não me dão paz... — Lipe reclama e se balança. — Desgruda que ta quente!

O dia de fato estava terrivelmente quente, talvez isso também não ajudasse. Por um estante pude imaginar a brisa fresca em meio o oceano e como seria perfeito isso agora.

Alguém deleta minha memoria?

— Essa menina é estanha mãe, fechou a cara do nada. — Mari ainda parecia zoar comigo mas minha mente não estava ali.

— Ta tudo bem mesmo? — Lipe tocou meu braço e eu assenti.

— Mano já deu 14:00 horas, cade o professor? — três seres da nossa turma chegaram até nós e o foco se voltou ao professor atrasado.

Lipe entrou no assunto com eles, enquanto Mari ficou na dela, ela as vezes falava com um e outro da turma mas não sempre, pois a maioria parecia ter medo da cara "amarrada" dela, já que, pensavam que ela estava brava o tempo todo, sendo que normalmente ela só estaria cansada.

Minha mente apenas viajava, até que o professor apareceu, destrancou a sala, e tivemos mais uma aula de sensoriamento.

— Vamos ter um trabalho de campo de geomorfologia em Quatis! — Lipe lia sobre o trabalho de campo na ementa como o professor tinha mencionado na aula, já era sexta-feira e a aula do dia tinha acabado

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— Vamos ter um trabalho de campo de geomorfologia em Quatis! — Lipe lia sobre o trabalho de campo na ementa como o professor tinha mencionado na aula, já era sexta-feira e a aula do dia tinha acabado. — Vamos ter que entregar um relatório, contando com os croquis, imagens, o que tivermos medido e os minerais identificados e que tipo de rochas são. Não vai ser muito diferente do trabalho de campo de geologia em Búzios. Agora apenas temos que saber se o relevo do lugar vai ser formado por fratura, tectonismo, e coisas do tipo.

— Vai ser pouco antes final do período. — disse Mari.

— Então, precisamos de bússola, lupa de bolso, papeis A4 milimetrados pra topografia, a caderneta e lápis, to esquecendo algo?

— O martelo geológico o laboratório do professor vai emprestar, então acho que ta tudo certo. — falei lembrando do outro campo, foi a única coisa que não compramos pois custava mais de 200 conto e ninguém tava rico ainda pra gastar isso tudo num martelo mesmo rachando entre o grupo.

— Parece que no ultimo dia vamos subir o morro do colto, considerado a oitava montanha mais alta do Brasil, com 2600 metros de altitude. Que ninguém caia nessa subida, amém! — Lipe lançou um olhar pra mim.

— Eu sou meio desastrada mas não é pra tanto.

— É sim, você é nossa responsabilidade, e se cair lá e morrer o que dizemos a sua mãe? Ela vai matar a gente!

Minha mãe tinha Lipe e Mari como filhos, e eles viviam indo lá pra casa fazer trabalhos. Minha mãe os adorava, mas sempre pedia pra eles cuidarem de mim, eu sou a mais velha aqui porem sou a que vive tropeçando no vento...

—  Ok, ok! Relaxem. — resmunguei e levei um tapa ainda.

— Fala direito comigo que eu ainda sou sua mãe em! — a Flor fez cara de brava e eu dei risada a abraçando. — Hm... sebosa.

— Ta imitando seu filho agora? — apontei pra Mari que era mais macho que eu e Lipe juntos.

— Você é adotada garota estranha. — dei um passo pro lado dela e ela deu dois pra trás. — Mãe, ela quer me pegar olha! Faz algo!

Corri atrás da Mari enquanto escutava Lipe resmungar "essas crianças". Dentro de sala eramos os mais nerds, adultos, exemplos das melhores notas, e tínhamos amizade com todos os professores, fazemos parte de um projeto no laboratório de geotecnologias como voluntários por não termos conseguindo bolsas ainda, mas fora de aula eramos duas crianças com uma mãe amorosa brava.

Era graças a esses dois que minha vida na faculdade podia ser agradável.

...

Continua...

De Universitária À PirataOnde histórias criam vida. Descubra agora