We wish you a deadly Chrismas

29 3 2
                                    

Todos cantavam e dançavam em volta da fogueira. Era diferente dos filmes, sempre imaginei neve, esquimós, renas e magia. Mas estava tão quente. E a fogueira no centro da clareira tornava aquilo mais infernal.

Mamãe e papai serviam-se junto a seus primos. Todos pareciam felizes e contentes. O ano havia acabado, agora, festas marcavam presença, nos prometendo um amanhã incrível.

As outras crianças riam e pulavam, almejando ver o papai noel. E eu, observava, calada e sozinha.

"Você não pode contar para eles. Eles precisam da magia", disseram meus pais. "São crianças felizes e comportadas, normais. E não merecem ter seus sonhos estragados", e assim eu obedeci. Vi primos mais velhos presos à ignorância, esperando por um ídolo inventado.

Eu queria tirá-los dessa tortuosa prisão mental, da qual fui arrancada à força e contra vontade. Com palavras daqueles que eu amo cruéis e verdadeiras. Minha magia ficcional foi apagada, arrastada para fora de mim com garras afiadas de desespero e realismo. Como um manto de trevas e escuridão.

E eles continuavam ali, dançando. A meia noite se aproximava. Eu clamei aos meus pais:

— Minha cabeça dói. Por favor, preciso dormir — Mas eles ignoraram. Apenas olharam para mim com a mesma feição de sempre, sem dizer uma palavra sequer.

Meus olhos começavam a lacrimejar.

Isolei-me no canto, em meio às árvores, onde ninguém poderia me incomodar com aquela barulheira. O tédio começava a me vencer, fazendo com que tomasse meus livros de São Cipriano. Eram ideias completamente absurdas naquelas páginas colocadas. Mas era mais real que o papai Noel. Ao menos, foi o que forcei-me a crer, para que um resquício de magia e irrealismo tomasse conta de minha mente. Para que assim me transportasse para esse mundo agradável chamado ficção.

Todos da família, com exceção de mim, se reuniram em um grande círculo e começaram a cantar aquela melodia famosa e marcante. "We wish you a merry Chrismas", repetiam. Eu tentava me acalmar, e então olhei para o círculo distante, e notei a ausência de meus primos mais velhos.

Por um instante me passou pela cabeça a possibilidade do paradeiro deles. Me forcei a pensar que era absurdo da minha parte. Eu estava errada... Infelizmente, uma aura negra subiu em minhas costas junto à presença dos desaparecidos.

— Esquisita — Disse Jaime, o mais velho. — O papai Noel não gosta de crianças levadas e esquisitas

Tentei ignorar, e clamar por ajuda sozinha. Me continha, mas então... Eles tomaram meus livros.

— Livros ruins não devem ser lidos. — Disse Nick, o mais novo.

— O papai Noel não gosta de crianças levadas. — Complementou Jaime.

Eles começaram a rir enquanto rasgavam minhas preciosas páginas. Minhas lágrimas floresceram e minha tristeza fora transformada em ódio puro. Eu não poderia manter-me calada, não, não naquele momento!! E então, eu gritei... eu gritei o que fora proibida, por tudo que é mais sagrado.

— Seu papai Noel não passa de uma mentira para educar crianças. A única diferença entre ele e o Homem do Saco, é que ele veste vermelho!!

Sinos começaram a tocar, anunciando a meia noite. Eu estranhei, nenhum outro sino tocara o dia todo.

Imaginei naquele momento que estava condenada. Meus pais iriam me bater como sempre fazem. E eu iria desfrutar da vergonha e da dor por uma vez mais. E desta vez não haveria nem ao menos uma chance, mesmo que minúscula de me defender. Eu os desobedeci, eu estraguei a magia de meus primos, e desafiei a ira incontrolável daqueles que me deram a vida.

No entanto, a reação de minha família foi incomum. Mesmo de longe, me encaravam, sem emoções no rosto. A música do rádio começou a ficar lenta.

Meus primos me tomaram pelos braços de maneira assustadora e me carregaram até o centro da clareira. Todos me olhavam de maneira fixa e amedrontadora. Estáticos e em pé, nada causava um único resquício de emoção ou movimento, que não, a ausência de expressão e o modo como giravam-se em minha direção. E todos eles fitavam-me com seus olhares, tão sincronizados que parecia um único ser, uma única mente. Seus olhos estavam pálidos, e não transbordavam nada.

Eu me sacudia, gritava e chorava, mas ninguém fazia nada. Todos ignoravam a crueldade à mim imposta.

E enquanto balançava-me, pude observar de longes, aqueles cuja ira me fora negada.

— Me ajudem!! — Eu gritei. — Por favor!! Papai!! Mamãe!! Não deixem eles fazerem isso!! — E como sempre faziam, me ignoraram, tornando-se parte da mesma mente que regia a todos os outros.

Todos faziam um círculo em minha volta, enquanto era carregada até a fogueira. E eles cantavam lentamente aquela mesma melodia, que agora, parecia ameaçadora, especialmente cantada daquela maneira agonizante.

"We wish you a deadly Chrismas!

We wish you a deadly Chrismas!

We wish you a deadly Chrismas and a unfortunate death"

Devastada, nunca antes gritei e chorei tanto em minha curta vida.

A fogueira ergueu-se em um ponto insano. Meus olhos se arregalaram e minha voz continuava alta, porém perdia sua intensidade conforme minha garganta perdia a capacidade de suportar meus berros de medo e desespero.

Acompanhado à melodia lenta da música, um outro som surgiu,agora proveniente da fogueira.

— Ho, Ho, Ho. — Foi dito lentamente.

Em meio às chamas, uma figura aterrorizante e grotesca surgiu. Usando um gorro de natal, tinha uma pele escamosa que circundava uma camada de magma, e chifres que pareciam ter saído de um filme que zomba da Bíblia. A figura de olhos brilhantes tomou forma aos poucos e em poucos segundos, tinha três metros de altura.

Aproximou lentamente de meu rosto suas mãos negras esticadas com garras gigantes e linhas que brilhavam à cor de lava escaldante.

O calor que expelia era pior do que tudo que senti. A figura então abriu sua boca amedrontadora e uma voz grave, incomodativa e arranhadora, vinda do mais profundo dos nove infernos de Dante começou a falar:

— Crianças levadas devem ser educadas. — E em um instante ele agarrou minha face, que instantaneamente queimou.

Minha pele virou cinzas e meu corpo foi puxado para dentro da fogueira.

— Onde está, agora, o seu santo pagão?

Eu comecei a queimar, nos braços daquele demônio. Minha pele doce e jovem deixou de existir. Minha carne queimava e sofria.
Olhei ao meu redor e vi toda minha família, que fitava este espetáculo.

Meu horror, medo, e desespero jamais poderão ser descritos de um modo certeiro. A única coisa que posso falar, é que era como se minha alma fosse torturada e arrastada contra a vontade em desgraça.

Enquanto minha vida era tomada de maneira terrível eu soube que não tinha como escapar, e abandonei naquele momento todos meus sonhos e esperanças que se existissem eram pequenos. Minha alma gritava e como último ato, desejei que eles fossem para o inferno comigo e eu gritei tudo que estava preso em mim.

— Destilem dessa vida desgraçada que deram à mim no dia em que nasci. Riam deste corpo sem pele dançando sobre ossos afiados e joguem tomates nele. Aproveitem seu espetáculo, demônios ocultos por casca e lixo. Assassinem essa pagã como desejam. E façam reverência à seu diabo estúpido enquanto me enfiam guela abaixo do inferno!!

E por um instante, meu tormento virou alívio.

Um lindo NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora